quarta-feira, novembro 28, 2012

Altas habilidades: inclusão ou exclusão? Algumas perguntas e respostas.


APAHSD – Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação
Universidade Gama Filho

A APAHSD e a Universidade Gama Filho, em seu Curso de Especialização em Altas Habilidades,  prepararam um texto didático e em tom coloquial com algumas das perguntas frequentemente realizadas no campo das altas habilidades.

1 – O que são altas habilidades?

Altas habilidades ou superdotação é uma necessidade educacional especial apresentada por alunos que, nas definições do Ministério da Educação, demonstram grande facilidade de aprendizagem, potencial elevado e grande envolvimento com as áreas da ação humana, isoladas ou combinadas: intelectual, comportamental, psicomotora, artística e criativa.

2 – Porque as altas habilidades são uma necessidade educacional especial?

Os sistemas de ensino, de modo geral, são organizados baseados em uma média de habilidades e competências apresentadas pelos alunos. Os alto-habilidosos, por apresentarem diferenças significativas em relação às concepções tradicionais sobre os processos de ensino e aprendizagem, tornam-se excluídos do processo educacional. Apesar da presença física na sala de aula, não aprendem ou desenvolvem os conceitos, procedimentos ou atitudes planejados pelo projeto pedagógico realizado para uma média: dada a grande facilidade de aprendizagem, a organização curricular torna-se desajustada, as ações didáticas tediosas e desinteressantes e, desse modo, o aluno tem negado o seu direito fundamental à educação.


3 – Mas alto-habilidosos precisam realmente de atenção especial? Não são já privilegiados?

Este é um dos principais preconceitos sobre altas habilidades. O alto-habilidoso é visto como uma pessoa privilegiada com um dom especial. Com sua capacidade, poderia realizar tudo sozinho na escola, sem qualquer intervenção, e seria mesmo injusta uma atenção especial. Atender os alto-habilidosos seria “privilegiar os privilegiados”, segundo um certo senso comum. Diante de um falso conceito de igualdade, levanta-se que as flexibilizações previstas pela educação inclusiva deveriam ser realizadas apenas para pessoas com deficiências, e, desse modo, se alcançaria uma pretensa igualdade entre os alunos. Porém, percebe-se frequentemente que neste falso conceito há implícita uma busca de homogeneização dos alunos, negando-se a riqueza que é a sua pluralidade e diversidade. A igualdade conquista-se através da equidade, que é traduzida pelo princípio de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, oferecendo assim as mesmas oportunidades a todos. O alto-habilidoso é um diferente, uma pessoa com necessidades especiais, que se não atendido, acaba excluído da escola.

4 – Então os alto-habilidosos sofrem preconceito e discriminação?

Esses alunos são vítimas de uma série de mitos e preconceitos, e por vezes são alvo frequente de bullying e discriminação. Eles se percebem diferentes; porém, o sistema educacional comum lhes nega seu direito à diversidade, causando prejuízos na construção da sua identidade como pessoa, condição para a dignidade humana. Assim, lhes são negados os direitos de realizar os seus projetos de estudos e de inserção específica na vida social.

5 – Se deve dizer a um aluno e à comunidade escolar que ele é alto-habilidoso?

A educação inclusiva necessita de categorias para estabelecer procedimentos necessários para garantir o direito à educação. O aluno com altas habilidades percebe que não é como os demais, é diferente, e esta categoria lhe auxilia na percepção e aceitação de si mesmo no processo da construção da sua identidade pessoal. Porém, existe, por exemplo, o falso temor que esta identidade implicaria em uma pessoa soberba e arrogante, entre outros preconceitos, e logo, esta identidade pode ser rejeitada. Alto-habilidosos são seres humanos como todos os outros, com potencialidades e limitações. Não possuem dons especiais fora da diversidade humana, nem são superiores. Por isso, há um consenso internacional de substituir o termo superdotação por altas habilidades. Não há um “dote” “superior”, mas sim a expressão da pluralidade humana em suas habilidades. Assim, alunos e alunas com altas habilidades, bem como a sua comunidade escolar, devem ser informados de sua especificidade. Este é o objetivo da educação inclusiva: que todos aprendam juntos e saibam identificar, aceitar, respeitar e valorizar todas as diferenças humanas.

6 – Como é identificado o aluno com altas habilidades? É aquele que tira nota 10 em tudo? É o que tem o QI alto?

A identificação de alto-habilidosos é feita em um processo dinâmico e coletivo que envolve a escola, a família e a comunidade. A avaliação não se resume ao Quociente de Inteligência (QI), um indicador válido, porém limitado e mesmo dispensável, que deve ser sempre contextualizado em uma avaliação mais abrangente. Altos habilidosos também não são aqueles com nota 10 em tudo: por vezes, devido ao processo de exclusão, o alto-habilidoso tem baixo desempenho em suas notas, causado pelo desinteresse e desajuste, como também o “bom aluno”, que tem ótimas notas, pode significar apenas o aluno bem ajustado ao projeto pedagógico da escola, sem apresentar altas habilidades. A identificação, e não diagnóstico, porque não se trata de uma doença, é feita através da observação do comportamento do aluno, da avaliação processual do desempenho em atividades na escola e na comunidade, entrevistas com a pessoa, professores, comunidade escolar e família. A aplicação de questionários, atividades e testes, sempre contextualizada, pode enriquecer a identificação ao apontar as áreas de interesse e maior habilidade do aluno. Recomenda-se que a identificação seja sempre realizada por educadores e profissionais especializados que, além dos professores, família e comunidade, podem consultar organismos públicos e privados de apoio às altas habilidades.

7 – O alto-habilidoso é bom em tudo?

Não existe alta habilidade global, ou seja, uma pessoa que tenha elevado desempenho em todas as áreas da ação humana. É inclusive relativamente pequena a porcentagem de alunos com alto potencial em todas as áreas do currículo escolar tradicional. A avaliação do aluno deve contemplar a identificação das áreas em que apresente altas habilidades, para o correto planejamento pedagógico das ações de atenção especial. Desse modo, um erro frequente no atendimento é a cobrança exagerada por notas e por um suposto desempenho global dos alto-habilidosos.

8 – Altas habilidades têm causa genética?

O ser humano é uma rica combinação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Assim, uma possível predisposição genética às altas habilidades é em grande medida influenciada, positiva ou negativamente, por fatores ambientais, como as relações sociais e a cultura, de tal modo que não se pode afirmar que as altas habilidades possuem causa exclusivamente genética.

9 – As altas habilidades são provocadas pelo ambiente? Pelo estímulo dos pais?

Diante da riqueza de fatores que formam o ser humano, da mesma forma que não se pode afirmar que as altas habilidades possuem causa exclusivamente genética, não se pode encontrar uma relação direta entre o ambiente e as altas habilidades. Há o mito que se pode formar um alto-habilidoso em ambientes estimulantes, ou, ainda, que altos habilidosos se tornam assim porque receberam um grande estímulo dos pais. Mas a prática revela a existência de alto-habilidosos vindos de ambientes extremamente carentes de recursos e estímulos, ao mesmo tempo em que crianças altamente estimuladas pelos pais não se tornam alto-habilidosos.

10 – Na sala comum, como o professor pode identificar indícios de altas habilidades nos alunos e alunas?

O pesquisador Joseph Renzulli  desenvolveu um modelo que pode servir de guia para identificar indícios de altas habilidades. O modelo de Renzulli prevê a existência de três grandes fatores, isolados ou combinados:

1 – capacidade acima da média;

2 – alto envolvimento;

3 – criatividade;

A capacidade acima da média refere-se a habilidades observáveis que superam as previstas para a idade, série ou etapa escolar. O professor deve observar conhecimentos aprofundados sobre temas ou competências altamente desenvolvidas, atitudes e procedimentos avançados, facilidade de aprendizagem, vocabulário sofisticado ou poliglota, grande capacidade de memorização e síntese, de maneira que estas habilidades consistentemente provoquem um desajuste em relação à organização curricular planejada para o aluno.

O alto envolvimento é um persistente interesse por temas, procedimentos ou atitudes específicos, frequentemente acompanhado de alta intensidade emocional e entusiasmo, que leva o alto-habilidoso a desejar avançar ou aprofundar-se muito além do que é comumente previsto na organização curricular. O aluno faz muitas perguntas, por vezes avançadas, não aceita o programa de estudos ou acompanhar o resto da classe ou grupo.

A criatividade é a capacidade de realizar análises e sínteses inovadoras, realizando conexões entre áreas diversas, desenvolvendo novas atitudes ou procedimentos, apresentando visões discordantes da maioria e do que é ensinado como correto.

Deve-se ressaltar que, devido ao processo de exclusão dos alto-habilidosos, é necessário um olhar diferenciado para observar estas características em meio à discrição ou ocultamento frequentemente assumido por estes alunos, ou, ainda, em meio à indisciplina e conflitos provocados pelo desajuste escolar em que se encontram.

11 – Quando se fala em superdotados, imagina-se que são homens, brancos, usam óculos, são solitários e provêm de classes sociais mais ricas. É realmente assim?

Este é o principal estereótipo do alto-habilidoso, que se identificaria em parte com o estereótipo do chamado nerd. Porém a prática no campo das altas habilidades indica que a distribuição populacional de altos habilidosos é homogênea em todos os gêneros, etnias e níveis socioeconômicos. Há um número de alto-habilidosos do gênero feminino equivalente ao do gênero masculino, porém, provavelmente devido aos papéis sociais ainda relacionados ao gênero feminino, há dificuldades de, por exemplo, as mulheres serem vistas como alto-habilidosas. Também é homogênea a distribuição entre brancos, negros, pardos, índios e outras etnias e, nas políticas atuais de atendimento às altas habilidades no Brasil, é expressivo o número de alto-habilidosos que provêm das classes mais pobres.

12 – Alto-habilidosos são muito raros e nunca tive alunos assim: aqueles dos filmes é que realmente são superdotados.

Este é o mito da raridade e do desempenho mítico do alto-habilidoso. Nele está implícita, primeiramente, a redução das altas habilidades ao campo intelectual e, em segundo, que se espera um desempenho mítico e fabuloso, próprio do imaginário popular e senso comum, para que se reconheçam as altas habilidades em um aluno. Porém, as altas habilidades envolvem todas as habilidades e competências humanas, como as do campo artístico, comportamental e psicomotor, de tal modo que, nesta abordagem mais ampla, o Ministério da Educação indica que de 10% a 15% de qualquer população escolar apresenta altas habilidades, nas diversas áreas. Chamada de necessidade educacional invisível, frequentemente a identificação é dificultada pelo processo de exclusão, quando os alto-habilidosos, constrangidos pelo sistema educacional comum, passam a se esconder e a simular que estão ajustados ao programa e projeto pedagógico.

13 – Quais são os fundamentos legais para o atendimento a alto-habilidosos?

Resumidamente, como princípios, a Constituição Federal de 1988 apresenta em seu Art. 205 a finalidade da educação como o “pleno desenvolvimento da pessoa” e em seu Art. 208 define o direito ao “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Já a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) apresenta explicitamente o superdotado como portador de necessidades especiais e sujeito de direitos em seu artigo 59, que garante a “aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados”. Nos últimos anos, o Conselho Nacional de Educação emitiu alguns pareceres e resoluções sobre o atendimento aos altos habilidosos, destacando-se o parecer CNE/CEB 17/2001, que entre os educandos com necessidades educacionais especiais, define os que apresentam:

“Altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar. “

No âmbito do Município de São Paulo, a Câmara Municipal, por intermédio do Vereador Eliseu Gabriel, realizou em novembro de 2011 o II Congresso Paulista para Altas Habilidades e Superdotação, e desde então foi instalado o Fórum Legislativo para Altas Habilidades, que propôs um projeto de lei para atendimento às altas habilidades no município de São Paulo, que tramitará na câmara municipal a partir do segundo semestre de 2012.

14 – O que é enriquecimento curricular?

O enriquecimento curricular é a modalidade de atendimento escolar às altas habilidades que ocorre a partir do ensino fundamental, através de desafios suplementares e aprofundamento curricular nas áreas de altas habilidades apresentadas pelos alunos. O enriquecimento curricular deve ser realizado em sala comum ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, como núcleos de apoio públicos ou privados. Para a educação infantil, é previsto o chamado enriquecimento lúdico, que é o próprio desta etapa da escolarização ao respeitar a identidade da educação infantil: consiste na estruturação de atividades e ambientes para o exercício da ludicidade de acordo com os interesses da criança.

15 – O que é aceleração de estudos? Quando deve ser realizada?

A aceleração de estudos é uma modalidade de atendimento às altas habilidades que consiste no ajuste do programa escolar de modo a contemplar a grande facilidade de aprendizagem desta especificidade. Mediante uma ampla avaliação, individualiza-se o projeto pedagógico de modo a que a série ou etapa escolar do alto-habilidoso seja concluída em menor tempo. A aceleração deve ser realizada então mediante a avaliação da maturidade socioemocional do aluno e o domínio de conceitos, procedimentos e atitudes compatíveis com uma série ou etapa escolar mais avançada do que se encontra na qual ele deverá ser matriculado.

16 – Quais ações existem atualmente no Brasil para o atendimento às altas habilidades?

Em 2006, o Ministério da Educação inaugurou em parceria com os governos estaduais os NAAHSD – Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação, que desde então funcionam como centros públicos de referência e atendimento a alto-habilidosos. Ao mesmo tempo, desde os anos 90, se multiplicaram pelo país diversas associações de pais e profissionais voltadas para altas habilidades. Estas associações e outros profissionais também se reúnem formando o CONBRASD, o Conselho Brasileiro para Superdotação, que foi fundado em 2003. No município de São Paulo, a APAHSD – Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação, é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que desde a sua fundação em 2005 vem oferecendo serviços de identificação e enriquecimento curricular a alto-habilidosos da rede municipal, e, em parceria com a Universidade Gama Filho, oferece na cidade de São Paulo cursos de pós-graduação latu senso de especialização em altas habilidades.

Referências e para saber mais:

Pós-Graduação Latu Senso Especialização em Altas Habilidades/Superdotação da Universidade Gama Filho. http://posugf.com.br

CONBRASD – Conselho Brasileiro para Superdotação: http://www.conbrasd.org/

Mitos e Crenças sobre as Pessoas com Altas Habilidades: alguns aspectos que dificultam o seu atendimento. Artigo da Dra. Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, disponível em http://migre.me/a7DGd

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação – Parecer CNE/CEB 17/2001. Disponível em http://migre.me/9QpIs

Documento Orientador dos NAAHSD – Núcleos de Apoio às Altas Habilidades/Superdotação, do Ministério da Educação. Disponível em http://migre.me/9QpNx

Um olhar para as Altas Habilidades – Construindo Caminhos. Documento orientador da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Disponível em http://migre.me/9QpTp

Um comentário:

Fátima Porto disse...

Este é o meu primeiro contato com esse tema. Achei muito interessante.