quarta-feira, maio 14, 2014

Conhecendo os tipos de TDHA

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é, basicamente, neurológico, caracterizado pela desatenção/falta de concentração, agitação (hiperatividade) e impulsividade. Estas características podem levar o portador a ter dificuldades emocionais, de relacionamento, decorrendo daí baixos níveis de auto-estima, além do mau desempenho escolar, face às reais dificuldades no aprendizado.

É ao psicopedagogo que cabe uma intervenção educativa ampla e consistente no processo de desenvolvimento do paciente, em suas diversas dimensões, tais como as afetivas, cognitivas, orgânica e psicossocial. "A avaliação psicopedagógica tem um papel central no diagnóstico da criança com TDA/H, já que é no colégio que o problema tem maior expressão" (CONDERAMIN e colaboradores, 2006, pg. 60).

TDAH: CONCEITUAÇÕES E CARACTERIZAÇÕES

De acordo com Sam Goldstein(2006) o T.D.A.H. é classificado a partir de quatro formas:

Forma Hiperativa/Impulsiva – É caracterizada por pelo menos seis dos seguintes sintomas, em pelo menos dois ambientes diferentes:

    - Dificuldade em permanecer sentada ou parada;
    - Corre sem destino ou sobe excessivamente nas coisas;
    - Inquietação, mexendo com as mãos e/ou pés, ou se remexendo na cadeira;
    - Age como se fosse movida a motor, “elétrica”;
    - Fala excessivamente;
    - Dificuldade em engajar-se numa atividade silenciosamente;
    - Responde a perguntas antes mesmo de serem formuladas totalmente;
    - Interrompe frequentemente as conversas e atividades alheias;
    - Dificuldade em esperar sua vez (fila, brincadeiras).

Forma Desatenta – A criança apresenta, pelo menos seis das seguintes características:

    - Dificuldade em manter a atenção;
    - Corre sem destino ou sobe excessivamente nas coisas;
    - Distrai-se com facilidade, “vive no mundo da lua”;
    - Não enxerga detalhes ou comete erros por falta de cuidado;
    - Parece não ouvir;
    - Dificuldade em seguir instruções;
    - Evita/não gosta de tarefas que exigem um esforço mental prolongado;
    - Dificuldade na organização;
    - Frequentemente perde ou esquece objetos necessários para uma atividade;
    - Esquece rápido o que aprende.

Forma Combinada ou Mista – É caracterizada quando a criança apresenta os dois conjuntos das formas hiperativa/impulsiva e desatenta. Existem ainda outros critérios que devem ser levados em conta, tais como:

    - Persistência do comportamento há pelo menos seis meses;
    - Início precoce (antes dos 7 anos);
    - Os sintomas têm que ter repercussão na vida pessoal, social ou acadêmica;
    - Tem que estar presente em pelo menos dois ambientes;
    - Freqüência e gravidade maiores em relação à outras crianças da mesma idade;
    - Idade de 5 anos para diagnóstico.

Tipo não específico – A pessoa apresenta algumas características, mas em número insuficiente de sintomas para chegar a um diagnóstico completo. Esses sintomas, no entanto, desequilibram a vida diária. Além dos sintomas citados por Goldstein outros autores colocam:

    - Choro inexplicável nos primeiros meses “cólicas”.(Andrade, 1998);
    - Maior risco de acidentes (Leibson, 2001);
    - Baixa auto-estima (Dra. Ana Beatriz B. Silva, 2007);
    - Depressões freqüentes .( Dra. Ana Beatriz B. Silva, 2007);
    - Caligrafia de difícil entendimento(Dra. Ana Beatriz B. Silva, 2007);
    - Mudanças rápidas de interesse (começa várias coisas e não termina) (Dra. Ana Beatriz B. Silva, 2007);
    - Dificuldades de relacionamento com outras crianças (Leibson, 2001);.

Orientações Psicopedagógicas - Sugestões para Intervenções

Conforme Edyleine (2002) o trabalho do psicopedagogo é muito importante pois auxilia, atuando diretamente sobre a dificuldade escolar apresentada pela criança, suprindo a defasagem, reforçando o conteúdo, possibilitando condições para que novas aprendizagens ocorram, e orientando professores.

As técnicas mais utilizadas são os jogos de exercícios sensório-motores, ou de combinações intelectuais, como damas, xadrez, carta, memória, quebra-cabeça, entre outros.

Os jogos com regras permitem à criança, além do desenvolvimento social quanto à limites, à participação, o saber ganhar, perder, o desenvolvimento cognitivo, e possibilita a oportunidade para a criança detectar onde está, o porquê e o tipo de erro que cometeu, tendo a chance de refazer, agora, de maneira correta.

Podem ser usadas técnicas que envolvam escritas, como escrever um livro e ilustrá-lo, pode despertar nela em criar algo seu e admirar seu trabalho final, podendo isso, ser estendido às lições em sala de aula. Uma outra técnica é a de despertar na criança o gosto pela leitura, através de assuntos e temas de seu interesse e também aguçar a curiosidade por conhecer novos livros, revistas e gibis.

A utilização de contos de fadas e suas dramatizações podem ser um recurso a mais. Podem ser utilizados desde a fase do diagnóstico até a fase de intervenção educativa, adaptando-se as tarefas, em razão do nível de aprendizado em que a criança se encontra. Edyleine (2000) salienta que essa técnica permite ao psicopedagogo coletar tanto dados cognitivos quanto psicanalíticos.

O Diagnóstico

O diagnóstico do TDAH é clínico, devendo ser feito por médicos especialistas no assunto, com ou sem auxílio de uma equipe interdisciplinar que pode ser composta por: neurologista, neuropsicólogo, psicólogo, psicopedagogo, e/ou fonoaudiólogo. Mas todo diagnóstico deve seguir os seguintes passos:

• Entrevistas com os pais (levantamento das queixas e sintomas e relato sobre o comportamento da criança em casa e em atividades sociais);
• Entrevistas com professores (relato sobre o comportamento da criança na escola, levantamento das queixas, sintomas, desempenho escolar, relacionamento com adultos e crianças);
• Questionários e escalas de sintomas para serem preenchidos por pais e professores;
• Avaliação/observação da criança no consultório;
• Avaliação neuropsicológica;
• Avaliação psicopedagógica;
• Avaliação fonoaudiológica;

A avaliação clínica com médico deve coletar informações não apenas da observação da criança durante a consulta, mas também realizar entrevista com os pais e/ou cuidadores desta criança, solicitar informações da escola que a criança frequenta sobre seu comportamento, sociabilidade e aprendizado, além da utilização de escalas de avaliação da presença e gravidade dos sintomas.

Além desta avaliação clínica com um médico, a criança ou adolescente deverá passar por uma avaliação psicopedagógica, que começa com uma entrevista inicial com os pais, onde eles trazem o motivo da consulta e a "queixa" principal, bem como falam um pouco sobre o histórico familiar do sujeito.

Durante este processo de avaliação com o cliente pode ocorrer algumas 
intervenções, a partir do momento que já exista um vínculo entre terapeuta (psicólogo/arteterapeuta) e cliente.

Estas intervenções podem ser feitas através de jogos lúdicos ou através de atividades ligadas à arteterapia, sendo estas atividades: desenhos, materiais diferenciados como argila, velas, etc.
O Objetivo é determinar com maior precisão possível, a freqüência do problema, as situações que o desencadeiam (Situações-gatilho), os contextos em que estas ocorrem com mais regularidade e a s conseqüências das condutas observadas". (Ferreira, 2008, pag. 17)
O objetivo da avaliação diagnóstica do TDAH não é de qualquer forma rotular crianças, mas sim avaliar e determinar a extensão na qual os problemas de atenção e hiperatividade estão interferindo nas habilidades acadêmicas, afetivas e sociais da criança e na criança e no desenvolvimento de um plano de intervenção apropriado. (Benczyk, 2006, pg. 55)

Atuação Psicopedagógica e as contribuições da Arteterapia

Quando falamos em lidar com portadores de TDAH, falamos também em interdisciplinaridade, ou seja, são necessárias também outras intervenções, entre elas a psicopedagógica, que se volta para a construção de condições para que o sujeito possa situar-se de forma adequada, e o comportamento patológico situar-se em um segundo plano.

O psicopedagogo em sua atuação institucional ou clínica pode exercer um trabalho de reflexão e orientação familiar, possibilitando elaboração acerca do direcionamento das condutas que favorecem a adequação e integração do indivíduo com TDAH, trazendo perspectivas sob diretrizes de vida e evolução.

A criança ou adolescente portador de TDAH precisa ser estimulada de maneira correta em tempo integral, para que mantenha sua atenção no que está fazendo ou estudando. Neste processo, o psicopedagogo tem papel importante, cabendo-lhe intervir no método cognitivo, junto à construção do saber, e fazer com que o paciente sinta-se capaz de ter um bom desenvolvimento intelectual, profissional e pessoal.

Quando a criança ou adolescente estiver no processo de avaliação diagnóstica ou mesmo já fazendo o tratamento interventivo:
O profissional pode focalizar dificuldades específicas da criança, em termos de habilidades sociais, criando um espaço e situações para desenvolvê-las, por meio da interação com a criança por intermédio de qualquer atividade lúdica. (Benczik, 2000, pg. 92)
Com isso a criança ou adolescente poderá desenvolver habilidades como:
- Saber ouvir
- Iniciar uma conversa
- Olhar nos olhos para falar
- Fazer perguntas e dar respostas apropriadas
- Oferecer ajuda para alguém
- Brincar cooperando com o grupo
- Sugerir outras brincadeiras, usando sua criatividade
- Agradecer, falando obrigado
- Saber pedir por favor
- Manter-se sentada ou quieta por um período
- Saber esperar sua vez para falar ou jogar
- Ser amigável e gentil
- Mostrar interesse em algum assunto
- Respeitar o outro como um ser diferente que possui sentimentos e diferentes opiniões
- Dar atenção as outras pessoas
- Saber perder, entendendo que não se pode sempre ganhar

A arteterapia também é uma grande contribuição terapêutica durante o processo de diagnóstico ou mesmo de intervenção com um portador de TDAH. Isto, porque tal técnica traz ainda mais conhecimento no "lidar com o aprender", pelas mediações artísticas. Além disso, a criança ou adolescente pode entrar em contato com suas emoções mais profundas, sem precisar se expor, ou seja, falar quando não tem vontade.

Utilizando a arteterapia, a criança ou adolescente poderá compartilhar suas experiências através da expressão da arte, facilitando a exteriorização de seus sentimentos íntimos, demonstrando melhor seu jeito de pensar, de agir e sentir.

A arteterapia tem também como objetivo promover a autodescoberta do sujeito pelo lúdico, pelas cores, representações, imaginações e fantasias, etc. Deve lhe ser solicitado que descreva sua representação artística, encorajando-lhe a ir mais longe, mantendo o diálogo entre a "Arte" e o "eu", ou seja, quando a criança expressa sua arte, ela está expressando a si mesma.

Utilizando a arteterapia juntamente com a psicopedagogia, o paciente irá adquirir um melhor auto-conhecimento, desenvolvendo a auto-estima e maior consciência de suas dificuldades, melhorias e ações.

Durante o processo avaliativo que, como já colocado, pode ser também interventivo, o profissional (psicopedagogo/arteterapeuta) deve antes de mais nada listar alguns indicadores que devem ser observados, tais como:

- A imaturidade com relação ao desenvolvimento da atenção, (que pode ser associado a um jogo ou atividades com arteterapia;)
- O Déficit de atenção do paciente (que pode ser associado a um jogo ou a atividades de arteterapia para diagnósticos;)

Existem alguns tipos de intervenções relacionadas à psicopedagogia e à arteterapia que podem ser utilizadas durante o processo, como:
• Jogo com regras: Através dos jogos, a criança deverá submeter-se às regras e normas, onde poderá desenvolver suas habilidades, seu raciocínio, auto-imagem, tolerar frustrações, saber ganhar ou perder, saber esperar sua vez, planejar uma situação, aprender a ouvir, etc.
• Brincadeiras de representação (psicodrama): Através dos diálogos e da troca de papéis, a criança pode desenvolver algumas habilidades, e o psicólogo servirá como espelho, onde a criança poderá ver com mais clareza ser jeito de ser.
• Atividade corporal cinestésica: O relaxamento associado ao controle da respiração, ouvir silenciosamente uma música relaxante ou mesmo a massagem corporal são medidas úteis para reduzir a tensão dos músculos do corpo e trazer a atenção da criança para si mesma, fixando-se em si mesma e promovendo maior centralização.
• Uso de sucata: O uso de sucata para as crianças com TDA/H é muito bom, pois elas podem utilizar sua criatividade, podem criar e formar novos materiais.

A seguir, há algumas indicações de jogos e atividades que podem ser trabalhadas com uma criança ou adolescente que estejam num processo avaliativo/diagnóstico, ou mesmo que já tenham sido diagnosticadas com TDAH (Fagali, 2010).
- O trabalho com o barro: Gera concentração, captando a energia excessiva e relaxando o paciente.
- Jogos que alternam expansão de percepção e liberação do movimento com foco em figuras, seus detalhes e na concentração de ações.
- Atividades de construção criativa em que se usa a força com as mãos, liberando energia represada, exemplo de trabalho de construção com madeira, pregos e martelos. Alterna-se com atividades sutis, enfatizando a suavidade e delicadeza dos movimentos. Os instrumentos podem ser as próprias mãos, pincéis de várias texturas, giz de cera colorido (pintura e expansão da aquarela, guache e giz de cera, no movimento alternado de contensão e expansão).
- Atividades com velas, utilizando copinhos de plástico para formar uma mandala. Esta atividade exige concentração, apesar de trabalhar também com fogo, o que traz excitação à criança.
- O trabalho com o corpo: Tensão alternada com relaxamento, diretamente associada ao movimentos corporais, imagens e elementos: Endureço e fico mole, sou pedra, sou água.

Andar e contar histórias sobre situações de tensão e relaxamento, rápido e lento.
(Fazer com o movimento corporal amplo, ou apenas com as mãos e braços, os pés e pernas).
- O trabalho respiratório: Inspirar até o abdominal, bem lentamente, como se enchesse uma bexiga, expirar como se soprasse pela boca tirando tudo que precisa sair desde o abdômen. (inspiração e expiração com vários ritmos e duração, em função das facilidades progressivas do aprendiz). Associar a histórias e imagens, criando algo a partir disto, com sopros no canudo (de refresco) sobre um papel molhado com tinta aguada (papel molhado e gotas de guache que são pintados com auxílio do sopro no canudo).
- Tocar com tambores liberando a energia e conversando com eles: forte, leve, no centro e nas bordas do tambor, acelerado e lentamente, alterações de ritmos. Conversas com o tambor do companheiro ou terapeuta, mantendo palavras, cantos, ou acompanhando pelo som de uma música rítmica.
Jogos:
- Furar com estiletes pontos no papel (exercício de pulsão nos detalhes), com curta e longa duração, rápido e lento, formando uma figura, ou aleatoriamente.
- Exercícios de detalhes, selecionar e reconhecer detalhes no fundo variado e complexo. Jogo de quem descobre mais rápido: Cara a Cara.
- Jogos de quem acha no todo, descoberta de erros, sempre alternado com projeções mais excessivas do movimento e relaxamento: jogo dos sete erros, por exemplo.
- Jogos de figura e fundo: Quem acha primeiro: Lince, Onde está Wally e outros.
- Jogos com movimentos que requeiram atenção e rapidez diante de um sinal.

Na área clínica, o trabalho do psicopedagogo pode ser preventivo, visando também evitar o fracasso, seja este escolar, profissional ou pessoal, além de encaminhar à propositura de novas possibilidades de ações, que farão com que ocorra uma melhora na prática pedagógica, contribuindo para sua própria evolução.

Com relação à escola, a psicopedagoga vai atuar junto aos coordenadores e professores, com o objetivo de levantar dados da rotina escolar do aluno, como seu rendimento nas disciplinas, sua organização na sala e com seu material, interesse na matéria, comportamento em sala de aula e nas atividades fora da sala, além de seu relacionamento com os colegas e professores.

Durante o processo de aprendizagem, o psicopedagogo está voltado para o portador de TDAH, sempre considerando as realidades objetivas e subjetivas que habitam o entorno da criança e/ou adolescente. Além disso, deve considerar também o conhecimento em sua complexidade dentro de uma dinâmica, onde os aspectos afetivos, cognitivos e sociais se complementam. (Isabel Parolin, site: WWW.abpp.com.br/abpprsul, acessado em 08/03/2010)

A psicopedagogia possui uma estrutura interdisciplinar, pois seu principal objeto de estudo é o ser cognoscente e todo o seu universo relacional, tendo como objetivo ajudar na adequação da realidade da criança à sua possibilidade de aprendizagem, promovendo uma ponte entre a criança e o conhecimento que está sendo transmitido, além de investigar e considerar a forma como esta criança aprende, e quando isso não ocorre, por qual motivo não ocorre esta aprendizagem. (Isabel Parolin, site: www.abpp.com.br/abpprsul, acessado em 08/03/2010)

Existem algumas técnicas que são mais utilizadas durante o "tratamento" de 
um TDAH com o psicopedagogo, como: jogos de exercícios sensório-motores (amarelinha, bola de gude), combinações intelectuais (damas, xadrez, carta, memória, quebra-cabeça, etc.)

Quando é apresentado á criança temas e assuntos que ela goste, isso pode despertar o gosto pela leitura, curiosidade por conhecer livros, gibis, e revistas novas,

Os contos de fadas também podem ser utilizados, tanto na fase do diagnóstico, quanto durante a intervenção psicopedagógica. Utilizando esta técnica, o psicopedagogo pode coletar dados cognitivos e mesmo psicanalíticos da criança. (Edyleine Bellini Peroni Benczik, 2000)

Os jogos que possuem regras permitem que a criança, além de ter seu desenvolvimento social quanto a limites, possa participar, saber ganhar, perder, melhorar seu desenvolvimento cognitivo, e possibilita a oportunidade para a criança saber onde está, o motivo e o tipo de erro que cometeu, tendo chance de refazer, naquele momento, da maneira correta. (Edyleine Bellini Peroni Benczik, 2000)

segunda-feira, maio 05, 2014

Avaliação e aprendizagem na escola: A prática pedagógica como eixo da reflexão

Por: Artur Gomes de Morais, Eliana Borges Correia de Albuquerque e Telma Ferraz Leal
Medo de amar
O medo de amar é o medo de ter
de, a todo momento, escolher,
com acerto e precisão, a melhor direção.
O medo de amar é não arriscar,
esperando que façam por nós
o que é nosso dever:
Recusar o poder.

Beto Guedes e Fernando Brant





A escola e a avaliação
Aprender com prazer, aprender brincando, brincar aprendendo, aprender a aprender, aprender a crescer: a escola é, sim, espaço de aprendizagem. Mas o que as crianças e os jovens aprendem na escola?
Sem dúvida, aprendem conceitos, aprendem sobre a natureza e a sociedade. A escola dificilmente conseguirá propiciar situações para que eles aprendam tudo o que é importante, mas pode possibilitar que eles se apropriem de diferentes conhecimentos gerados pela sociedade.
De fato, não é simples selecionar o que ensinar no Ensino Fundamental, mas precisamos refletir sobre quais saberes poderão ser mais relevantes para o convívio diário dos meninos e das meninas que frequentam nossas escolas e para a sua inserção cada vez mais plena na sociedade letrada, pois eles têm o direito de aprender os conteúdos das diferentes áreas de conhecimento que lhes assegurem cidadania no convívio dentro e fora da escola.

Assim, é fundamental que cada professor se sinta desafiado a repensar o tempo pedagógico, analisando se ensina o que é de direito para os estudantes e se a seleção de conteúdos, capacidades e habilidades é, de fato, importante naquele momento, considerando que esses estudantes são crianças ou adolescentes que apresentam características singulares dessas etapas de desenvolvimento. Reconhecemos a necessidade da circulação de informações e conhecimentos, mas não queremos que as crianças e os jovens que frequentam nossas escolas aprendam conceitos ou teorias científicas desarticulados das funções sociais. Queremos que eles pensem sobre a sociedade, interajam para transformá-la e construam identidades pessoais e sociais, vivendo a infância e a adolescência de modo pleno.

O professor, portanto, como defendem Santos e Paraíso (1996, p. 37), precisa atentar para o fato de que “o currículo constrói identidades e subjetividades junto com os conteúdos das disciplinas escolares; e também adquirem-se, na escola, percepções, disposições e valores que orientam os comportamentos e estruturam as personalidades”. Ou seja, quando ocupamos esse espaço social — a escola —, lidamos com seres em desenvolvimento que estão em processo de construção de identidades, que aprendem sobre a sociedade, sobre os outros e sobre si próprios.
como essa tomada de consciência poderia modificar a prática pedagógica de cada professor? Pensando sobre essa questão, Solé (2004, p. 53) ressalta a dimensão integradora da educação. Ela nos lembra que:

No processo de desenvolvimento, ocorrem mudanças que afetam essa globalidade e que também podem ser identificadas em diferentes áreas ou capacidades: capacidades cognitivas e linguísticas, motoras, de equilíbrio pessoal, de inserção social e de relação interpessoal.
Esse pressuposto vem sendo explicitado muito freqüentemente no meio educacional. Mas podemos perguntar: em que medida, de fato, isso vem sendo considerado no cotidiano da sala de aula?

Muitas vezes, o professor investe suficientemente na dimensão cognitiva do desenvolvimento e não dedica atenção à dimensão afetiva. Outras vezes, faz o inverso: cuida da criança com carinho e atenção, mas sem planejar adequadamente como vai ajudá-la a progredir na aprendizagem para alcançar as metas que devem ser atingidas do ponto de vista cognitivo.
Por isso, Solé (2004, p. 53) reitera que:

Não se trata de compartimentos estanques; à medida que meninos e meninas se mostram mais competentes na área cognitiva, suas possibilidades de inserir- se socialmente aumentam, bem como as relações interpessoais que podem estabelecer, e tudo isso muda a maneira como vêem a si mesmos.
Por outro lado, se eles adquirem mais segurança nas relações, perdem o medo de errar, lançam-se mais e, conseqüentemente, aprendem mais.


Assim, propomos que cada professor, ao planejar as situações didáticas, reflita sobre os estudantes, considerando o desenvolvimento integral deles, contemplando as características culturais dos grupos a que pertencem e as características individuais, no que se refere tanto aos modos como interagem na escola quanto às bagagens de saberes de que dispõem. Caso determinada criança esteja com dificuldade de inserir-se no grupo-classe, é papel do professor planejar estratégias para que ela supere tal dificuldade; caso algum estudante esteja com auto-estima baixa e, portanto, demonstre medo de expor seus sentimentos e conhecimentos,é preciso também pensar em como favorecer o desenvolvimento dele.


Em síntese, como nos diz Solé (2004, p. 53), “O desenvolvimento afeta todas as capacidades humanas, e todas devem ser levadas em conta durante a elaboração de um projeto educativo”, principalmente se, nesse projeto educativo, o professor busca intervir na formação cidadã dos estudantes.

E o que significa, para o professor, intervir na formação cidadã das crianças e dos adolescentes? Concebemos que significa pensar em como ajudá-los a interagir na sociedade de modo confiante e crítico; implica fazer com que eles tomem consciência das contradições sociais e desenvolvam valores para a construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática; implica fazer com que eles adquiram autoconfiança, reconhecendo que sua história está inserida na história dos grupos sociais dos quais participam; significa instrumentalizá-los para que tenham acesso a uma ampla gama de situações sociais e entendam os processos históricos que os excluem de outras situações e para que possam intervir nessa realidade; implica ajudá-los a dominar os instrumentos de participação nessas diferentes situações, como, por exemplo, ler e escrever com autonomia; significa ajudá-los a se apropriarem dos conhecimentos construídos pela humanidade; implica possibilitar que eles exerçam o direito de vivenciar as experiências próprias da faixa etária a que pertencem, como, por exemplo, brincar e interagir de modo lúdico.

Enfim, na escola, é preciso ter objetivos de diferentes dimensões que ajudem os estudantes a participarem de modo autônomo, crítico e ousado na sociedade. Para tal, a seleção do que ensinar precisa contemplar e priorizar objetos que os ajudem a desenvolver capacidades nessa direção.

Santos e Paraíso (1996, p. 38–39), a esse respeito, alertam que “o currículo deve dar voz às culturas que foram sistematicamente excluídas pela escola, como a cultura indígena, a cultura negra, a cultura infanto-juvenil, a cultura rural, a cultura da classe trabalhadora e todas as manifestações das chamadas culturas negadas”. Desse modo, o professor pode ajudar as crianças e os jovens a entenderem os processos de exclusão e a valorizarem sua própria história, o que pode ter impactos no aumento da auto-estima e da confiança em si próprios.

É nessa mesma linha de pensamento que Silva (2003, p. 10) aponta que o espaço educativo se transforma em um ambiente de superação de desafios pedagógicos que dinamiza e significa a aprendizagem, a qual passa a ser compreendida como construção de conhecimentos e desenvolvimento de competências em vista da formação cidadã.

E como o professor pode superar os desafios pedagógicos? Para superar as dificuldades, é necessário avaliar sistematicamente o ensino e a aprendizagem. Tradicionalmente, no entanto, as práticas de avaliação desenvolvidas na escola têm se constituído em práticas de exclusão: avaliam-se os estudantes para medir sua aprendizagem e classificá-los em aptos ou não-aptos a prosseguirem os estudos. Para que não tenhamos essa prática excludente, é preciso que os professores reconheçam a necessidade de avaliar as crianças e os adolescentes com diferentes finalidades:

• Conhecê-los, considerando as características da infância e da adolescência e o contexto extra-escolar.
• Conhecê-los em atuação nos tempos e espaços da escola, identificando as estratégias que usam para atender às demandas escolares e, assim, alterar, quando necessário, as condições nas quais é realizado o trabalho pedagógico.
• Conhecer e potencializar a sua identidade.
• Conhecer e acompanhar o seu desenvolvimento.
• Identificar os seus conhecimentos prévios nas diferentes áreas do saber e trabalhar a partir deles.
• Identificar os avanços e encorajá-los a continuarem construindo conhecimentos nas diferentes áreas do conhecimento e desenvolvendo capacidades.
• Conhecer as hipóteses e concepções deles sobre os objetivos de ensino nas diferentes áreas do conhecimento e levá-los a refletirem sobre eles.
• Conhecer as dificuldades e planejar atividades que os ajudem a superá-las.
• Verificar se eles aprenderam o que foi ensinado e decidir se é preciso retomar os conteúdos.
• Saber se as estratégias de ensino estão sendo eficientes e modificá-las quando necessário.

Diferentemente do que muitos professores vivenciaram como estudantes ou em seu processo de formação docente, é preciso que, em suas práticas de ensino, elaborem diferentes estratégias e oportunidades de aprendizagem e avaliem se estão sendo adequadas. Assim, não apenas o estudante é avaliado, mas o trabalho do professor e a escola. É necessário avaliar:

• Se o estudante está se engajando no processo educativo e, em caso negativo, quais são os motivos para o não engajamento.
• Se o estudante está realizando as tarefas propostas e, em caso negativo, quais são os motivos para a não-realização.
• Se o professor está adotando boas estratégias didáticas e, em caso negativo, quais são os motivos para a não-adoção.
• Se o professor utiliza recursos didáticos adequados e, em caso negativo, quais são os motivos para a não-utilização.
• Se ele mantém boa relação ou não com os meninos e as meninas e os motivos para a manutenção dessas relações de aprendizagem.
• Se a escola dispõe de espaço adequado, se administra apropriadamente os conflitos e, em caso negativo, quais são os motivos para a sua não-administração.
• Se a família garante a freqüência escolar da criança ou do jovem, se os incentiva a participarem das atividades escolares e, em caso negativo, quais são os motivos para o não-incentivo.
• Se a escola garante aos estudantes e a sua família o direito de se informarem e discutirem sobre as metas de cada etapa de estudos, sobre os avanços e as dificuldades revelados no dia-a-dia.


Nessa perspectiva, os resultados do não-atendimento das metas escolares esperadas em determinado período do tempo são vistos como decorrentes de diferentes fatores sobre os quais é necessário refletir. A responsabilidade, então, de se tomar as decisões para a melhoria do ensino passa a ser de toda a comunidade, ou seja, o baixo rendimento do estudante deve ser analisado, e as estratégias para que ele aprenda devem ser pensadas pelo professor, juntamente com a direção da escola, a coordenação pedagógica e a família. Pode-se, então, mudar as estratégias didáticas; possibilitar atendimento individualizado; garantir a presença do estudante em sala de aula, no caso dos faltosos; além de outras estratégias, como a de proporcionar maior tempo para que a aprendizagem ocorra, tema que abordaremos a seguir.


A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos e a questão do tempo escolar: alguns cuidados a se ter em conta

A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos representa um avanço importantíssimo na busca de inclusão e êxito das crianças das camadas populares em nosso sistema escolar. Ao iniciarem o Ensino Fundamental um ano antes, esses estudantes passam a ter mais oportunidades para começarem a se apropriar, logo cedo, de uma série de conhecimentos, entre os quais tem um lugar especial o domínio da escrita alfabética e das práticas letradas de ler, compreender e produzir textos. No entanto, é preciso planejar e avaliar bem aquilo que estamos ensinando e o que as crianças e os adolescentes estão aprendendo desde o início da escolarização.É preciso não perder tempo, não deixar para os anos seguintes o que devemos assegurar desde a entrada das crianças, aos 6 anos, na escola.

E o que fazer com os que não atingirem as metas estabelecidas? Muitos professores, preocupados com a progressão das crianças e dos jovens, defendem que é melhor que eles repitam o ano do que progridam sem conseguir acompanhar os colegas de sala.

A partir da concepção de que devemos assegurar a todos a possibilidade de aprendizagem e de que a escola não deve se ater apenas aos aspectos cognitivos do desenvolvimento, veremos que a reprovação tem impactos negativos, pois provoca, muitas vezes, a evasão escolar e a baixa autoestima, o que dificulta o próprio processo de aprendizagem posterior. Com esse princípio de respeito, no entanto, não estamos defendendo que devamos esperar que o estudante aprenda sozinho, “quando vier a consegui-lo”, mas, sim, criar condições propícias de aprendizagem e reconhecer quando ele está em via de consolidar os conhecimentos esperados ou quando não está conseguindo caminhar nessa direção no período previsto. Estabelecer metas claras a serem alcançadas é, portanto, um requisito básico para ensinar e para avaliar, conforme discutiremos a seguir.

Avaliando a definição de metas, a observação e o registro no processo de ensino e aprendizagem
Concordando com o princípio do atendimento à diversidade, Silva (2003, p. 11) chama a atenção para o fato de que a avaliação, numa perspectiva formativa reguladora, deve reconhecer as diferentes trajetórias de vida dos estudantes, e, para isso, é preciso flexibilizar os objetivos, os conteúdos, as formas de ensinar e de avaliar; em outras palavras, contextualizar e recriar o currículo.É necessário dominar o que se ensina e saber qual é a relevância social e cognitiva do ensinado para definir o que vai se tornar material a ser avaliado.


A mudança das práticas de avaliação é, então, acompanhada por uma transformação do ensino, da gestão da aula, do cuidado com as crianças e os adolescentes em dificuldade. Para que isso ocorra, existe um ponto de partida fundamental. Como menciona Leal (2003, p. 20), a seleção consciente do que devemos ensinar
[...] é o primeiro passo a ser dado para a construção de uma aprendizagem significativa na escola. Em decorrência dessa tomada de posição em relação ao que é realmente importante é que podemos organizar nosso tempo na sala de aula e definir o que iremos avaliar e as formas que adotaremos para avaliar.

Na busca de sermos justos e eficientes como educadores, precisamos garantir a coerência entre as metas que planejamos, o que ensinamos e o que avaliamos. A clareza sobre o que vamos ensinar permitirá, em cada etapa ou nível de ensino, delimitar as expectativas de aprendizagem, das quais dependem tanto nossos critérios de avaliação quanto o nível de exigência.

Portanto, faz-se necessário definir um perfil de saída de cada etapa de ensino e assegurar esforços para compreender os processos de construção de conhecimento das crianças e dos adolescentes. Essa complexa tarefa pressupõe uma atitude permanente de observação e registro. Sim, independentemente dos instrumentos utilizados, a avaliação (quando não se limita a produzir notas ou conceitos para fins de aprovação/reprovação ou certificação de estudos) constitui sempre um processo contínuo de observação dos avanços, das descobertas, das hipóteses em construção e das dificuldades demonstradas pelos meninos e pelas meninas na escola.

Nesse processo, realizamos um diagnóstico do que os estudantes já sabem, ao iniciarmos uma etapa de ensino, e dos conhecimentos que vão construindo ao longo do período. Morais (2005) afirma que o mapeamento dos saberes já construídos dá ao docente “um retrato” da situação de cada criança, permitindo a ele ajustar o ensino e planejar tanto metas coletivas quanto aquelas programadas para indivíduos ou grupos de estudantes que ainda não as alcançaram (ou que estão muito avançados) e merecem, portanto, um atendimento diferenciado em relação ao conjunto da turma.

A fim de que as informações observadas não se dispersem ou não sejam esquecidas e para que tenhamos melhores condições de refletir sobre o ensino e a aprendizagem, necessitamos proceder ao registro periódico da situação de cada estudante em relação aos objetivos traçados nos diferentes eixos de ensino.
Empregando instrumentos variados, as práticas avaliativas mais defendidas atualmente compartilham este ponto comum: o registro escrito de informações mais qualitativas sobre o que as crianças e os adolescentes estão aprendendo. As formas de registro qualitativo escrito permitem que:

• Os professores comparem os saberes alcançados em diferentes momentos da trajetória vivenciada e acompanhem, coletivamente e de forma compartilhada, os progressos dos estudantes com quem trabalham a cada ano.
• Os estudantes realizem uma auto-avaliação, refletindo, dessa forma, sobre os próprios conhecimentos e sobre suas estratégias de aprendizagem, de modo que possam redefinir os modos de estudar e de se apropriar dos saberes.
• As famílias acompanhem sistematicamente os estudantes, podendo, assim, dar sugestões à escola sobre como ajudar as crianças e os adolescentes e discutir suas próprias estratégias para auxiliá-los.
• Os coordenadores pedagógicos (assistentes pedagógicos, equipe técnica) conheçam o que vem sendo ensinado/aprendido pelos estudantes e possam planejar os processos formativos dos professores.

A diversificação dos instrumentos avaliativos, por sua vez, viabiliza maior número e variedade de informações sobre o trabalho docente e sobre os percursos de aprendizagem, assim como uma possibilidade de reflexão acerca de como os conhecimentos estão sendo concebidos pelas crianças e pelos adolescentes. Entender a lógica utilizada pelos estudantes é o primeiro passo para saber como intervir e ajudá-los a se aproximarem dos conceitos que devem ser apropriados por eles.

O uso de portfólios, por exemplo, pode ser útil para que os estudantes, sob orientação dos professores, possam analisar suas próprias produções, refletindo sobre os conteúdos aprendidos e sobre o que falta aprender, ou seja, para que possam visualizar seus próprios percursos e explicitar para os professores suas estratégias de aprendizagem e suas concepções sobre os objetos de ensino. Tal prática é especialmente relevante por propiciar a ideia de que não cabe apenas ao professor avaliar os processos de aprendizagem e de ensino. Tal concepção é contrária às orientações dadas em uma perspectiva tradicional, com seus fins excludentes de classificar e selecionar estudantes aptos e não-aptos, que sempre foi promotora de heteronomia: como só o professor julgava os produtos do estudante, este último introjetava a idéia de que era incapaz de avaliar o que fazia, pois só o adulto-professor sabia o certo. Se queremos que crianças e adolescentes sejam cada vez mais autônomos, precisamos promover, no cotidiano, situações em que os estudantes reflitam, eles próprios, sobre seus saberes e suas atitudes, vivenciando uma avaliação contínua e formativa da trajetória de sua aprendizagem.

Para ajudar as crianças e os adolescentes nessa tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades, além do próprio diálogo (com o professor e os colegas), precisamos nos valer de recursos que documentem, que materializem a sua trajetória. Como dito, os portfólios, que vêm, nos últimos anos, sendo utilizados por um número cada vez maior de professores, têm sido um dos meios de concretizar tais práticas (cf. Hernández, 1998). Mas o que é um portfólio? Hernández (2000, p. 166) define portfólio como sendo
[...] um continente de diferentes tipos de documento (anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências dos conhecimentos que foram sendo construídos, das estratégias utilizadas para aprender e da disposição de quem o elabora para continuar aprendendo.

Ferraz (1998, p. 50) também se refere ao portfólio como esse conjunto de documentos que auxiliam tanto os estudantes quanto os professores e familiares a acompanharem o processo de aprendizagem. Para ela, o portfólio
[...] compreende todo o processo de arquivamento e organização de registros elaborados pelos alunos, construídos ao longo do ano letivo: textos, desenhos, relatórios ou outros materiais produzidos por eles e que permitam acompanhar suas dificuldades e seus avanços na matéria. Periodicamente, ele [o professor] discute com cada estudante sobre os registros feitos. O portfólio, que pode ser apresentado numa pasta, tem ainda uma vantagem: a de servir como um elo significativo entre o professor, o aluno e os pais deste.
Vemos, assim, que a materialidade dos portfólios permite não só ao professor, mas, sobretudo, ao estudante (e à sua família) comparar o que se sabia de início com o que foi se construindo ao longo de determinada etapa escolar. Como se pode inferir, para se prestar à finalidade de auto-avaliação pelo estudante, a confecção desse tipo de recurso precisa contar com a participação dele na periódica seleção, no registro de comentários e na reflexão sobre o que conseguiu aprender.

Ao procederem à seleção das produções que constarão no portfólio, tanto os estudantes quanto os professores precisam revisitar as situações em que os trabalhos foram produzidos e retomar os conceitos trabalhados. O portfólio é, portanto, um facilitador da reconstrução e reelaboração, por parte de cada estudante, de seu processo de aprendizagem ao longo de um período de ensino. Assim, a relevância não está no portfólio em si, mas no que o estudante aprendeu ao construí-lo, ou seja, aquele constitui um meio para se atingir um fim. Dessa forma, é importante pensar que não basta selecionar, ordenar evidências de aprendizagens e colocá-las num formato para serem apresentadas, mas, sim, refletir sobre o que foi aprendido e sobre as estratégias usadas para aprender.


Os diários de classe ampliados também são muito valiosos para o acompanhamento do processo ensino–aprendizagem. Nessa forma de registro qualitativa, caracterizada pela presença, nos diários de classe, de espaços para anotações sobre os estudantes, é fundamental que os professores e a equipe pedagógica reflitam sobre o que deve ser priorizado em cada etapa de ensino e planejem como organizar as anotações referentes aos percursos de aprendizagem das crianças e dos adolescentes.

Assim, em cada página, que corresponde a cada estudante, os professores encontram espaços com títulos referentes aos principais aspectos a serem avaliados para fazerem as anotações, com indicação da data da observação e do instrumento utilizado para analisar o que está sendo foco da avaliação.
Por meio dessa visualização, o professor pode acompanhar cada estudante e refletir sobre quais estratégias didáticas estão sendo boas e quais não estão ajudando no processo de aprendizagem. Pode pensar, também, em estratégias para organizar agrupamentos de estudantes para trabalhos diversificados e em alternativas ou tarefas para acompanhamento individual quando for necessário.

Para delimitar o que registrar, no entanto, é fundamental, a partir de objetivos relevantes, definir as metas prioritárias e construir instrumentos de avaliação que permitam ao estudante evidenciar o que pensa sobre o que está sendo aprendido. No próximo tópico, os instrumentos de avaliação serão foco de debate.



Instrumentos de avaliação: avaliar produtos ou refletir sobre os processos e percursos de aprendizagem?

Como obter as informações de que necessitamos para acompanhar os percursos dos estudantes? Como apreender os modos como eles representam os conceitos? Como saber o que pensam sobre o que ensinamos para pensarmos nas possibilidades pedagógicas que assegurariam a qualidade do ensino–aprendizagem? Como proceder para que os estudantes evidenciem seus avanços e suas dificuldades? Como analisar as respostas que eles dão, buscando apreender a lógica utilizada por eles na realização das tarefas propostas? Os instrumentos utilizados podem ser variados, mas, em nossa perspectiva, precisam diagnosticar sistematicamente a construção de saberes específicos, capacidades, habilidades, além de aspectos ligados ao desenvolvimento pessoal e social.
Em relação à apropriação dos conhecimentos, não é suficiente sabermos se os estudantes dominam ou não determinado conhecimento ou se desenvolveram ou não determinada capacidade. É preciso entender o que sabem sobre o que ensinamos, como eles estão pensando, o que já aprenderam e o que falta aprenderem. Essa mudança de postura é o que diferencia os professores que olham apenas o produto da aprendizagem (respostas finais dadas pelos estudantes) e os que analisam os processos (as estratégias usadas para enfrentar os desafios).

Nessa perspectiva, os instrumentos usados, além de diagnosticarem, servem para fazer o professor repensar sua prática, ou seja, podem ter uma dimensão formativa do docente, principalmente se ocorrem momentos coletivos de discussão sobre os trabalhos dos estudantes.

Para diagnosticar os avanços, assim como as lacunas na aprendizagem, podemos nos valer tanto das produções escritas e orais diárias dos estudantes (os textos e a escrita de palavras que produzem a cada dia na sala de aula; o que comentam, escrevem ou leem ao participarem das atividades na classe) quanto de instrumentos específicos (tarefas, fichas, etc.) que nos forneçam dados mais controlados e sistemáticos sobre o domínio dos saberes e conteúdos das diferentes áreas de conhecimento a que se referem os objetivos e as metas de ensino.
Nas tarefas ou fichas usadas para avaliar as capacidades na área de Língua Portuguesa, podemos, por exemplo, pedir que os estudantes escrevam textos (indicando, obviamente, finalidades e destinatários); podemos entregar textos para que tentem ler e, depois, conversar sobre o que entenderam. No caso das crianças em fase de aprendizagem do sistema alfabético, podemos, também, pedir que escrevam palavras mostrando as relações entre as partes escritas e as orais; entre muitas outras atividades possíveis.

A partir da análise desses materiais, podemos fazer os registros de acompanhamento. Se pensarmos nas competências de leitura e de produção de textos que devem ser construídas no primeiro ano da escolarização do Ensino Fundamental, poderemos, por exemplo, registrar se cada estudante compreende os textos lidos pelo professor, extraindo as informações principais (quem, o quê, quando, onde, por que, etc.); se compreende textos mais longos lidos pelo professor, elaborando inferências e apreendendo o sentido global do texto; se lê textos curtos com autonomia, podendo extrair informações principais; se demonstra interesse em ler, em consultar livros e outros suportes textuais; se elabora textos que serão registrados pelo professor, organizando as informações e estabelecendo relações entre partes do texto, em atendimento a diferentes finalidades e destinatários; se escreve textos curtos dos gêneros que foram explorados nas aulas, etc.

Essa forma de avaliar se distancia, em muito, das que priorizam o registro de quantidade de erros que os estudantes cometem quando escrevem textos; ou das práticas em que são feitas as contagens de quantidade de questões que conseguem responder após a leitura de um texto; ou mesmo das centradas nas anotações de como os estudantes leem em voz alta, com ênfase apenas na decodificação e na entonação.

Se mudarmos a área de conhecimento, podemos, também, encontrar exemplos que diferenciam as propostas em que os professores simplesmente assinalam o que está certo e errado daquelas em que os professores tentam entender os percursos de aprendizagem e, assim, refletir sobre eles.

Na área da Matemática, por exemplo, temos como um dos objetivos o trabalho com classificações. Ou seja, temos como uma das metas levar os estudantes a aprenderem a classificar e a refletir sobre critérios de classificação. Essa seleção de conteúdo está fundamentada na idéia de que, cotidianamente, classificamos eventos e fenômenos da natureza e da sociedade. Freqüentemente, lemos tabelas e gráficos em que os dados são classificados e agrupados para comparações e tomadas de decisão importantes em diferentes esferas sociais, como em Economia, por exemplo.

Ao avaliarmos os estudantes em relação a esse aspecto, podemos registrar que tipos de classificação são capazes de estabelecer: classificação a partir de um critério único (ex.: ser menino ou menina), classificação a partir de uma combinação de critérios (ser menino ou menina do 3º ou 4º ano), classificação com negação de uma categoria (meninos e meninas, excluindo os que não gostam de jogar futebol), entre outras; se eles conseguem descobrir os critérios de classificação usados em diferentes situações (ao analisarem reportagens, quadros e tabelas, por exemplo); se eles são capazes de comparar e equalizar coleções; etc. Para chegarmos a esse registro, não podemos usar apenas avaliações de múltipla escolha. É preciso planejar situações em que os estudantes explicitem como chegaram a determinados resultados e possam expor as estratégias adotadas para resolver problemas de classificação.

Falamos, até aqui, de instrumentos utilizados pelo professor para ele próprio diagnosticar e registrar os percursos de aprendizagem dos estudantes de maneira que ele possa ajustar o ensino a eles oferecido. É necessário, porém, não perdermos de vista o papel da auto-avaliação do professor.
Para atuarmos em qualquer esfera social, precisamos, como já dissemos, planejar nossas ações de modo que encontremos as melhores estratégias para atingir nossos alvos e atender às metas a que nos propomos. Para que melhoremos nossas estratégias de ação e consigamos cada vez mais conquistas, precisamos continuamente avaliar se tomamos as decisões certas, se usamos os instrumentos mais adequados e se conduzimos as situações da melhor maneira possível.

Assim também acontece com os professores. Para melhorarmos nossa prática pedagógica, precisamos avaliar sempre se estamos selecionando adequadamente as prioridades, se estamos usando os recursos mais adequados, se estamos desenvolvendo as melhores estratégias, enfim, precisamos nos auto-avaliar.

A auto-avaliação, então, precisa fazer parte do cotidiano escolar não apenas do estudante, mas do professor, do coordenador pedagógico e de todos os que estão envolvidos no processo de ensino–aprendizagem.


Avaliando para melhorar a aprendizagem: mais algumas idéias
Algumas redes de ensino vêm adotando modalidades de registros escritos mais qualitativas, tornando-os instrumentos primordiais no acompanhamento da aprendizagem e na tomada de decisões para o avanço qualitativo da aprendizagem dos estudantes. Se, do ponto de vista oficial, tais registros significam um grande avanço, é preciso ter cuidado em não transformá-los em tarefa burocrática. Como bem expuseram Oliveira e Morais (2005), estudos já demonstraram a necessidade de os professores terem oportunidades de discutir continuamente os objetivos e os instrumentos de avaliação que passaram a usar, a fim de se apropriarem daqueles novos recursos e receberem, de fato, ajuda para reorganizar sua tarefa de ensino ao empregá-los.

Para que não haja um descompasso entre o registrado e o vivido/priorizado em sala de aula, insistimos na necessidade de garantir alguns cuidados aparentemente óbvios, mas nem sempre cumpridos. Em primeiro lugar, recordemos, deve-se ter clareza sobre o que é necessário que os estudantes aprendam em cada etapa escolar, o que constitui um direito deles. É preciso não deixar o tempo passar, mas, sim, monitorar, continuamente, os progressos e as lacunas demonstrados pelos estudantes. Assim, poderemos ajustar a forma de ensinar, em lugar de esperar o fim do período para, já sem ter muito por fazer, constatar se as crianças e os adolescentes aprenderam ou não o que foi estabelecido.

Em segundo lugar, para que tenhamos clareza sobre o que ensinar e avaliar, necessitamos “traduzir” em objetivos observáveis os conteúdos formulados geralmente de modo muito amplo nos documentos curriculares ou nos planos de curso. Só com esse nível de clareza e concretude podemos fazer o registro avaliativo ao longo das semanas em que se dá o ensino–aprendizagem, de forma que possamos corrigir/realimentar o processo de ensino sem perder as informações que detectamos sobre os meninos e as meninas no dia-a-dia.

Finalmente, e nunca é demais lembrar que, para que o estudante e sua família tenham voz, eles devem participar efetivamente do processo de avaliação. Necessitamos garantir que as famílias conheçam as expectativas da escola em relação às crianças e aos adolescentes em cada unidade e/ou ano e acompanhem a trajetória percorrida, podendo se posicionar junto ao professor, à turma e à escola. Se o estudante e sua família sabem aonde a escola quer chegar, se estão envolvidos no dia-a-dia de que são os principais beneficiários, poderão participar com mais investimento e autonomia na busca do sucesso nessa empreitada que é o aprender.

Referências Bibliográficas
GUEDES, Beto; BRANT, Fernando. O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre. In: CD. Beto Guedes. Amor de Índio. Emi Odeon, 1978.
FERRAZ, Petronilha Trevisan. Aprendizagem e Avaliação. In: Nova Escola, 116. p. 50, 51, 1998.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e Mudança na Educação: os Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
_____________. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
LEAL, T. F. Intencionalidade da Avaliação na Língua Portuguesa. In: Silva , J. F.; Hofman, J.; Esteban, M. T. Práticas Avaliativas e Aprendizagens Significativas em Diferentes Áreas do Currículo. Porto Alegre: Mediação, 2003.
MORAIS, A. G. O Diagnóstico como Instrumento para o Planejamento do Ensino de Ortografia. In: SILVA, A.; MORAIS, A. G.; MELO, K. R.
(Org.). Ortografia na Sala de Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
OLIVEIRA, S. A.; MORAIS, A. G. O Registro como Alternativa Oficial na Escolarização Ciclada da PCR: Como Procedem as Professoras em Relação ao Ensino e à Avaliação do Aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética? 2005. Texto submetido ao XIII Endipe, 2006.
SANTOS, Lucíola P.; PARAÍSO, Marlucy A. O Currículo como Campo de Luta. In: Presença Pedagógica, n. 7, 1996.
SILVA, Janssen. Introdução: Avaliação do Ensino e da Aprendizagem numa Perspectiva Formativa Reguladora. In: SILVA, J.; HOFFMAN, J.;
ESTEBAN, M. T. Práticas Avaliativas e Aprendizagens Significativas em Diferentes Áreas do Currículo. Porto Alegre: Mediação, 2003.
SOLÉ, Isabel. Das capacidades à prática educativa. In: COLL, César; MARTÍN, Elena. (Org.) Aprender Conteúdos & Desenvolver Capacidades.
Porto Alegre: ArtMed, 2004.
Telma Ferraz Leal é Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); professora adjunta do Centro de Educação da UFPE.
Eliana Borges Correia de Albuquerque é Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professora adjunta do Centro de Educação da UFPE.
Artur Gomes de Morais é Doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona; professor adjunto do Centro de Educação da UFPE.
¹ Exemplo adaptado de uma ficha de acompanhamento de estudantes da Rede Municipal de Ensino de Camaragibe/PE, elaborada por Gilda Lisboa Guimarães.