segunda-feira, outubro 22, 2012

Panlexia - Histórico do Método e da Autora



Por: Maria Cristina Bromberg

O Método Panlexia é o primeiro método construído segundo as características fonema x grafema do idioma português falado e escrito no Brasil. É um método de orientação diagnóstica e um programa abrangente de assistência pedagógica a pessoas com Dificuldades Específicas de Linguagem. É o resultado de longos anos de pesquisas e experiências compartilhadas por diferentes fontes de informação.

Dentre as primeiras influências que alicerçaram a construção progressiva do Método Panlexia, destaca-se o trabalho de um professor de linguística da Yale University, Leonard Bloomfield, cujo filho era disléxico. Bloomfield formulou o conceito que "seria melhor ensinar leitura a estudantes disléxicos, primeiramente, através da introdução de elementos consistentes do idioma escrito e só então, depois de estabelecidas essas conexões, ir acrescentando, aos poucos, os padrões menos comuns de soletração". Essa forma de abordagem pedagógica foi chamada de  "Linguística Estruturada". Desde então (1933), muitos pesquisadores vêm investigando os inúmeros aspectos da Dislexia, e diferentes programas remediativos de ensino têm sido publicados nos Estados Unidos.

Já na década de 1960, o Dr. Jesse Grimes, da Harvard University, foi convidado pela rede pública de ensino da cidade de Newton, estado de Massachusetts, EUA, para investigar qual seria o melhor dos três métodos de iniciação à leitura utilizados em programas de ensino de leitura: fonético, visuo/global, linguístico estruturado.

Essa pesquisa incluiu 30 salas de aula, envolvendo 10 classes em cada uma das três abordagens, e foi desenvolvida com a seguinte orientação prognóstica: bons leitores, leitores de nível médio, maus leitores. A avaliação dos resultados da pesquisa deixou claro que a Leitura Linguística Estruturada obteve os melhores resultados em todas as categorias. Entretanto, como nessa abordagem foram incluídos métodos específicos de ensino desenvolvidos e supervisionados pelo Dr. Grimes, e não somente a técnica de leitura segmentada em elementos linguísticos, seus resultados foram ignorados na época.

Como consequência, não ficou estabelecido o conceito de que o ensino da leitura em séries linguísticas era mais eficiente em si, e por si mesmo. Ficou evidenciado, porém, que os métodos de ensino de leitura desenvolvidos pelo Dr. Grimes eram a chave-mestra do grande sucesso do Programa Estruturado em Leitura Linguística. Baseado nas dificuldades de filho e neto disléxicos, o Dr. Grimes havia desenvolvido métodos de ensino para ajudá-los no aprendizado da leitura. Entre suas várias técnicas, está incluído o treinamento para desenvolvimento da consciência fonológica, que somente nos últimos anos tem sido reconhecido por pesquisadores respeitados como um componente-chave do sucesso alcançado no aprendizado de leitura e soletração. As técnicas pedagógicas com base em ensino terapêutico em linguística estruturada, em que está alicerçado o Método Panlexia, tiveram comprovada sua eficiência para ensinar o disléxico, mais uma vez, em importante trabalho de pesquisa desenvolvido pela Dra. Sally Shaywitz e sua equipe da Yale University.
Pamela Kvilekval, educadora especializada em Dificuldades de Aprendizado, fez parte do primeiro grupo de profissionais treinados diretamente pelo Dr. Grimes para desenvolver o programa de ensino diferencial para alunos com Dificuldades de Aprendizado da rede pública de Newton, em 1968. Depois de três meses engajada nesse trabalho, tornou-se sua assistente, supervisionando diretamente os professores de Educação Especial. Após dois anos como assistente do Dr. Grimes e supervisora do Curso de Instrução Terapêutica ministrado por ele, assistindo a mais de 200 disléxicos durante o ano escolar e em programas especiais de verão, Pamela foi nomeada dirigente do Programa de Dificuldades de Aprendizado das Escolas Públicas de Andover, no estado de Massachusetts, EUA. Essa indicação foi feita, por membros do Departamento de Educação do Estado, depois que as técnicas de ensino das escolas de Newton foram analisaram e avaliadas e o programa terapêutico desenvolvido na rede de ensino declarado "Muito favorável".
Em paralelo, o Dr. Grimes também capacitou seu grupo de educadores em técnicas de desenvolvimento e uso de materiais, como recurso complementar do seu programa. Desprendido, nunca teve interesse em formalizar o registro escrito desse trabalho. Por isso, quando um manual de treinamento foi requerido para as escolas de Andover, o Dr. Grimes autorizou e estimulou Pamela a escrever o Manual Básico, com 70 páginas, para dar início ao treinamento de 15 membros do corpo docente das escolas. Esses profissionais não eram formalmente especializados, mas compunham um grupo comprometido com o ensino diferencial, motivados por estarem diretamente envolvidos no ensino de crianças com dificuldades de aprendizado. E por isso, estavam determinados a desenvolver um eficiente programa de apoio pedagógico aos estudantes disléxicos em suas escolas.

Àquela época, não havia nenhum programa de graduação universitária em Massachusetts para formar esses especialistas. Com o passar dos anos, o Programa de Treinamento com estrutura fundamentada nas características fonema x grafema do idioma inglês organizado por Pamela evoluiu de 70 para 700 páginas, publicadas com o título: "Um Programa para Dificuldades Específicas de Linguagem". Programa abrangente, que se constitui, hoje, como base na formulação de muitos outros programas de treinamento de profissionais em Dificuldades de Aprendizado, em diferentes sistemas escolares.

Depois de 4 anos como Supervisora em programas de Dificuldades de Aprendizado e 10 anos como Administradora em Educação Especial, responsável por todos os programas de Educação Especial em Andover, sob Leis Estaduais e Nacionais, Pamela se tornou Consultora em Educação Especial na Itália. Desde 1986, é consultora em escolas internacionais na Itália e supervisora de ensino diferencial para estudantes disléxicos.

Visto que na Itália não existia, ainda, programas pedagógicos especializados em Dislexia, muitos médicos e psiquiatras italianos encaminhavam crianças disléxicas para serem assistidas pela equipe de Pamela. Por essa razão, ela acabou se impondo um verdadeiro desafio: traduzir e construir seu programa de ensino dentro da base estrutural fonética do idioma italiano. No início, teve que estabelecer a estrutura linguística fonema x grafema do idioma o que foi mais simples de ser feito do que estruturar o Programa em sua língua materna: o inglês. Isso porque a língua italiana é pronunciada quase que exatamente da mesma forma como é escrita. 

No início desse trabalho, Pamela desenvolveu listas de palavras para as lições de cada dia. Na evolução progressiva da formulação do método, as listas precisas de palavras e de exercícios de ditado passaram a ser agrupadas em manuais. Só faltava criar histórias com o componente essencial de adequar-se a cada uma das lições, seguindo as características da estrutura linguística do idioma italiano.

Embora houvesse livros de leitura linguisticamente estruturados para serem utilizados em programas em inglês, não existia nenhum livro semelhante em italiano. Nelly Melone, mãe de um dos estudantes disléxicos de Pamela, se propôs a criar as histórias. "Le Storie di Zia Lara" foi publicada como um encarte do "Il Método Panlexia". São esses livros que compõem o primeiro programa educacional terapêutico de assistência pedagógica ao disléxico publicado na Itália. Era o ano de 1998.

Hoje, a Itália está na segunda publicação do Programa IL MÉTODO PANLEXIA, que continua sendo o único programa publicado naquele país. Professores, psicólogos e terapeutas da fala têm sido treinados, através de toda a Itália, nos seguintes cursos de Pamela Kvilekval: REABILITAÇÃO DA DISLEXIA - IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DAS DIFICULDADES DE APRENDIZADO - REABILITAÇÃO DA DISCALCULIA - ORIENTAÇÃO PARA PAIS DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES POR DEFICIÊNCIA DE ATENÇÃO.

Além do programa “Il Método Panlexia”, Pamela desenvolveu uma versão italiana do "Preschool Screening System", de Peter Hainsworth e Marian Hainsworth, publicado em 2002. Trata-se de um programa de identificação precoce de diferentes dificuldades em crianças entre 2½ a 6½ anos, através de sintomas e sinais característicos que as predispõem a apresentar dificuldades em seu aprendizado escolar. Crianças que, integradas precocemente em adequado programa pedagógico preventivo, em sua maioria poderão vir a superar essas dificuldades.

Com permissão dos autores, Pamela estruturou uma nova versão do Preschool Screening System, publicado em língua portuguesa sob o titulo “Sistema de Avaliação Precoce – o PSS” pela própria autora, em parceria com o Centro de Neuropediatria do Hospital de Clinicas da Universidade Federal do Paraná. Esse instrumento de avaliação está sendo validado e normatizado através de duas pesquisas de mestrado e uma pesquisa de doutorado.

Nos últimos anos, Pamela Kvilekval foi eleita para o Conselho Diretor da Associazione Italiana Dislessia. Essa organização está representada em mais de 50 cidades da Itália e Pamela é o único membro do Conselho Diretor a não ter nacionalidade italiana.  Em co-autoria com outros membros da Associazione, escreveu dois pequenos livros estabelecendo fundamentação teórico-prática para apoiar o trabalho do professor em sala de aula.

O Método Panlexia foi introduzido no Brasil, em Curitiba, Paraná, no ano de 2004, através de dois eventos patrocinados pelo Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, pela Secretaria Municipal da Educação de Curitiba e pela Associação Brasileira de Apoio ao Disléxico, de Curitiba.

O primeiro, foi um simpósio que contou com a presença de profissionais e interessados vindos de todos os estados brasileiros. O segundo, um curso de formação sobre o método para 90 profissionais das áreas da Educação e da Saúde.  Durante a prática pedagógica do curso, foram trabalhados mais de 50 disléxicos, de diferentes idades e diferentes níveis de dificuldades. As respostas, bastante positivas, confirmaram, também na língua portuguesa, a eficiência já alcançada pela metodologia nas línguas inglesa e italiana.

Em 2010, com a colaboração de profissionais brasileiras, Pamela fez uma revisão do material publicado em 2004 e publicou uma edição atualizada e ampliada da metodologia, a que chamou de Panlexia Plus. Essa nova edição levou em consideração a reforma na ortografia do português, assim como a experiência acumulada pelos profissionais durante os anos de prática no Brasil.

PORQUE A PANLEXIA REALMENTE FUNCIONA?

A PANLEXIA INCLUI A ESTRUTURA, AS ATIVIDADES E OS MÉTODOS DE ENSINO QUE 


SEGUEM OS PRINCÍPIOS PARA ENSINAR DISLÉXICOS A LER E ESCREVER.

Aqui está a razão do sucesso:

1.  O método é fonológico, estrutural e propicia bastante reforço para cada elemento da linguagem escrita, de modo a assegurar respostas automáticas.

 2.  As atividades utilizam todos os sentidos envolvidos na leitura e na escrita: o visual, a motricidade fina, a percepção auditiva e a consciência fonêmica, incluindo a consciência de sensações tácteis durante a pronúncia dos sons.

 3.  As listas estruturais de palavras promovem:
- a habilidade de decodificar, porque mudam apenas uma letra na palavra por vez, induzindo a pessoa, portanto, a seguir cuidadosamente a sequência das letras;
- um sentido de ritmo que desenvolve a habilidade de associar o som da sílaba e a sequência dos símbolos (associação fonema-grafema) que representam as letras;
- o reconhecimento da palavra devido às similaridades de cada palavra;
- o reforço da memória visual de cada novo elemento.

 4.  Escrever cada palavra após a leitura da lista (adaptada para a idade e capacidade):
- reforça o aprendizado da palavra.
- envolve a Memória Sinestésica, ajudando a desenvolver a escrita automática de cada palavra.
- ajuda na compreensão da sequência das letras na palavra, porque as letras devem ser escritas uma a uma dentro de uma sequência.  Isso dá à pessoa tempo para perceber todas as sensações na boca e nas cordas vocais que se tem durante a escrita da sequência de letras.
- visto que cada lista de palavras apresenta somente um novo elemento a ser reforçado, a escrita repetida desse elemento induz a lembrança automática de cada novo elemento.
- escrever as listas de palavras em colunas enfatiza o novo padrão/elemento porque fica mais evidente que palavras escritas em linha.

 5.  O exercício de mudar a letra reforça a consciência fonológica da sequência de som que segue a sequência de símbolos.

 6.  A leitura das sentenças :
A. Permite a prática da leitura das palavras
B. Ajuda na compreensão das palavras, porque elas são usadas em contexto.
C. Proporciona uma revisão das palavras já aprendidas.
D. Melhora a memória visual das palavras novas e das previamente aprendidas.

 7.  Escrever as sentenças:
A. Pratica usar a memória auditiva de curto prazo quando o aluno repete a sentença.
B. Permite maior prática do novo elemento.
C. Melhora o vocabulário: o uso de novas palavras nas sentenças ajuda a lembrar o significado da palavra.
D. Permite a prática das habilidades da escrita e proporciona oportunidade de ensinar, se necessário, o motivo e a lógica dos sinais diacríticos e da pontuação, como apóstrofe, vírgula, contrações, ponto de interrogação e as palavras homófonas.
E. Ensina o aluno a verificar cuidadosamente cada palavra e pontuação na sentença e a ler a sentença após escrevê-la, a fim de fazer as necessárias correções antes de dizer que o trabalho está completo.  Resumindo, aprender a revisar seu trabalho, uma prática valiosa para todos, mas essencial para pessoas disléxicas e disgráficas.

 8. A leitura de histórias:
A. Proporciona a prática de todos os elementos anteriores.
B. Proporciona a prática da leitura normal – horizontal, da esquerda para a direita.
C. Proporciona uma razão para ler.
D. Melhora o vocabulário.  Ler as palavras em contexto ajuda a internalizar o significativo básico, assim como a compreensão do significado das palavras em diferentes contextos.
E. Induz a uma sensação de satisfação com a leitura, pois o aluno pode ler sem dificuldade e pode entender tudo o que está lendo, porque cada história contém elementos nas palavras que já estão automatizados ou, pelo menos, ele pode decodificar.
F. Desenvolve o conceito de “Imagem Mental” para melhorar a compreensão de material escrito.

 9.  O resumo, oral ou escrito:
A. Melhora a habilidade em desenvolver um resumo oral de material escrito.
B. Proporciona a prática de desenvolver resumos escritos de material escrito.
C. Desenvolve a habilidade em extrair os pontos importantes de uma massa de informações, essencial para tomar notas em sala de aula ou para tarefas de casa.

 10.  Os métodos de ensino são indutivos e não didáticos.  Ao invés de regras, o aluno recebe muitos exemplos de cada novo elemento a ser aprendido, de modo que a associação do som e do símbolo se torna automática – como o é para leitores regulares.

Fonte: http://cenephc.com.br/jornada/panlexia-historico-do-metodo-e-da-autora.html

domingo, outubro 21, 2012

Aprendizagem Humana | Roberta Pimentel - Sobre a importância de cada um cumprir o seu papel na educação dos filhos

quarta-feira, outubro 17, 2012

Fragmento livro: Os idiomas do aprendente - Alícia Fernandez


FRACASSO ESCOLAR

Optamos por uma psicopedagogia que permite ao sujeito que não aprende fazer-se cargo de sua marginalização e aprender a partir dela, transformando-se para integrar-se na sociedade, mas na perspectiva da necessária transformação desta. (Sara Paín, 1982).

A psicopedagogia adaptativa, preocupada em fortalecer os processos sintéticos do ego e facilitar o desenvolvimento das funções cognitivas, pretende colocar o sujeito em um lugar que o sistema lhe atribuiu. (Sara Paín, 1982)

Muitas vezes, como profissionais da educação, somos responsáveis por um “crime” similar ao de confundir um desnutrido com um anoréxico pelo fato de ambos estarem mal-alimentados. Um desnutrido não come, um anoréxico tampouco, mas as causas que levaram um e outro a não comer são completamente diferentes; portanto, as soluções também deveriam ser diferentes.

O conhecimento (ou melhor, a informação) é o alimento que o sujeito aprendente precisa incorporar, transformar, metabolizar.

Ninguém diria que um desnutrido não se alimenta porque tem um problema no aparelho digestivo, ainda não-detectado por radiografias, ou porque padece de uma disritmia digestiva ou de desatenção estomacal (DDE). Todavia, muitas vezes, “o especialista” diz que um fracasso escolar pode ter como
causa a distração, a “disritmia” ou a hipercinesia (ADD ou ADHD), situando no organismo do aluno as “disritmias”, “hipercinesias” e “desatenções” do sistema educativo.

É certo que, muitas vezes, o “fracasso escolar” pode intervir como fator desencadeante de um “problema de aprendizagem” que, de outro modo, não teria aparecido. Essa situação, que torna mais complexo e difícil o diagnóstico, exige uma maior responsabilidade e precisão teórica por parte da psicopedagogia.

Por ter sido privado do alimento a que tem direito e cujo cumprimento é responsabilidade da sociedade, o desnutrido pode “esquecer-se” de registrar sinais de fome como uma defesa necessária. Contudo, esse “esquecimento” não poderia ser confundido com anorexia. Assim como para resolver o problema do apagamento dos sinais da fome no desnutrido devemos intervir no contexto que o priva de alimentos, para resolver o fracasso escolar do aluno devemos intervir no contexto que o priva de um espaço de autoria de pensamento.

Ou seja, devemos intervir no sistema ensinante. O fracasso escolar afeta o sujeito em sua totalidade.
A criança que dele padece sofre pela subestimação que sente ao não poder responder às expectativas dos pais e dos professores. Por sua vez, a identidade não é algo que se adquire de uma vez e para sempre, mas é produto de construções identificatórias para as quais cumpre um papel importante os
modos como os demais nos definem.

Para a menina e o menino, o grupo escolar e seus professores costumam ter o lugar de prova e reconhecimento de suas aptidões a partir dos resultados obtidos.

FRACASSO ESCOLAR?

Por que o êxito escolar ocupa um lugar tão grande na vida de nossos contemporâneos, crianças, pais, educadores, governantes? Que projetos, que fantasmas recobrem essa aspiração ao êxito? (Anny Cordié)
Entendo que o objeto de qualquer intervenção psicopedagógica seja abrir espaços objetivos e subjetivos de autoria de pensamento. O psicopedagogo aposta em que o desejo de conhecer e de saber possa sustentar-se apesar das carências nas condições econômicas, orgânicas, educativas, apesar das injustiças, dos déficits ou das lesões biológicas.

A problemática da aprendizagem é uma realidade alienante e imobilizadora que pode apresentar-se tanto individual quanto coletivamente. Em sua produção, intervêm fatores que dizem respeito ao socioeconômico, ao educacional, ao emocional, ao intelectual, ao orgânico e ao corporal. Portanto, para sua terapêutica e prevenção, impõe-se o encontro entre diferentes áreas de especialização: psicopedagogia, psicologia, psicanálise, pedagogia, pediatria, sociologia, etc.
A desnutrição alimentar e a carência afetiva, o fracasso dos ensinantes e da instituição educativa ou as lesões cerebrais não dão conta por si só da existência do problema de aprendizagem em um sujeito individual.

A psicopedagogia clínica comprova que, embora seja necessário trabalhar e estudar os determinantes enunciados (orgânicos, sociais, políticos, etc.),  a capacidade de pensar e aprender (condições humanas que nos permitem a originalidade, a diferença e o posicionamento como autores de nossa história) ainda podem subsistir nas situações educativas, sociais, econômicas e orgânicas mais desfavoráveis. A liberação da inteligência aprisionada só poderá dar-se através do encontro com o prazer de aprender que foi perdido. Por tal razão, acreditamos que nossa principal tarefa na relação com os pacientes (aos quais denomino “aprendensinantes”) é “ajudá-los a recuperar o prazer de aprender” e, de igual modo, pretendemos, para nós mesmos, recuperar o prazer de trabalhar aprendendo e de aprender trabalhando.

Nossa tarefa inscreve-se em uma busca de mudança para os serviços de saúde mental em geral. Essa busca tenta articular os diferentes enfoques profissionais e os importantes recursos humanos com os escassos recursos econômicos e institucionais, para satisfazer a ampla demanda de assistência e a urgente necessidade de promoção de saúde na aprendizagem. A psicopedagogia vem para explicar também que na fabricação do problema de aprendizagem como sintoma intervêm questões que dizem respeito à significação inconsciente do conhecer e do aprender e ao posicionamento diante do escondido.

Por último, e não menos importante, a psicopedagogia clínica vem para dizer também que, na fabricação do fracasso escolar, participam questões relativas ao posicionamento dos “ensinantes professores”, mas também dos “ensinantes médicos” e do poder médico, as quais, exibindo, por vezes, um conjunto de informações hegemônicas e monopolistas, supõem o aprendente como um “sistema nervoso central caminhando”.

Paradoxo: na escola, aprendem como cabeças sem corpo e, quando não aprendem, são enviadas ao hospital onde são consideradas organismos sem inteligência nem desejo.

Todo lugar de saber é um lugar de poder, e nós, psicopedagogos, que pretendemos conhecer sobre o conhecer, o não-conhecer e sobre os que não podem aprender, com facilidade podemos cair imaginariamente em uma posição de certeza, muitas vezes também solicitada por nossos consultantes. A pergunta que na maior parte das vezes nos é dirigida é: “Sou inteligente?”.

Quando ocorre uma resposta negativa, esta costuma ser aceita como um oráculo que não é possível questionar. Além disso, a mera suposição de uma resposta assertiva para tal pergunta – sem levar em conta que a inteligência é construída e produzida na interação social, de acordo com processos identificatórios – supõe um abuso de poder que torna temível nossa palavra.

Nossa teoria é frágil, mas nosso suporte é uma atitude clara e compartilhada e um princípio quase piagetiano: na base de toda cognição está a ação, primeiro material e, logo, possível de ser interiorizada.

QUESTIONANDO A ÉTICA DO ÊXITO

O fracasso oposto ao êxito implica um juízo de valor e esse valor é função de um ideal. O sujeito constrói-se perseguindo as idéias que lhe são propostas ao longo de sua existência. Dessa maneira, é produto dessas identificações sucessivas que formam a trama de seu eu. Esses ideais são essencialmente os de seu meio sociocultural e os de sua família, ela mesma marcada pelos valores da sociedade a que pertence. (Anny Cordié)

“Perdoamos tudo, menos o fracasso”, este parece ser o lema que, partindo de algumas famílias e escolas, dirige-se aos jovens.

O fracasso é o oposto ao êxito. Não será que, para evitar ou buscar diminuir o fracasso escolar, necessitamos reverter essa ética do êxito?

Além disso, não teríamos que repensar o uso da denominação fracasso escolar? Tal termo surge como parte de um questionamento necessário à postura que depositava o problema na criança, chamando de problema de aprendizagem o que era um problema de ensino.

Entretanto, não teremos caído também (e aí me incluo porque eu mesma utilizo/utilizava a expressão fracasso escolar) nas redes da ética do êxito ao nomear5 como fracasso (resultado oposto ao resultado êxito) algo que estamos tentando analisar como processo?

Anny Cordié (1994) assinala que “... a evolução da sociedade deu lugar a uma nova patologia: o fracasso escolar (...) trata-se da rápida mudança do mundo do trabalho em uma sociedade cada vez mais tecnicista. Às novas exigências desta sociedade agregam-se os estragos provocados pela exploração dos testes de nível...”.

O uso que se faz dos testes nas escolas é cada vez mais discriminatório. No Apêndice a este capítulo, transcreverei fragmentos de uma conferência em que abordo essa questão e, por sua vez, no Capítulo 2 de meu livro O saber em jogo desenvolvo as questões que dizem respeito ao necessário posicionamento clínico.

Para atuar sobre as causas que geram o fracasso escolar, é necessário que a psicopedagogia saia do consultório e, ao dirigir-se a outros âmbitos, como a escola, não tente levar o consultório à escola, nem propor uma psicopedagogia superior, que exclua ou desvirtue a pedagogia. A intervenção psicopedagógica precisa atuar em interdisciplina com outras disciplinas, em particular com a pedagogia, sem tentar copiá-la, nem substituí-la.

A psicopedagogia ou o psicopedagogo que trabalhe em uma escola deverá possuir uma formação psicanalítica talvez maior do que quando atende em seu consultório, já que deverá dar conta dos fenômenos transferenciais em suas diversas manifestações. Por sua vez, deverá conhecer questões que dizem respeito ao “grupal” e ao institucional.

PARA ENSINAR MELHOR, APRENDER MELHOR

Como o fracasso escolar é uma resposta reativa à situação escolar, a psicopedagogia precisa trabalhar com professoras e professores, educadoras e educadores. Embora eles também sofram e possam ser vítimas da iatrogenia da instituição, eles são, sem dúvida, a cara visível da escola para a criança.

Tendo em vista sua prática na “formação de formadores”, Jacky Beillerot (1996) assinala:
... A formação (do professor) relaciona-se com toda a pessoa: suas capacidades conscientes, assim como sua afetividade, seu imaginário e seu inconsciente total. Isto é, fantasmas, resistências, inibições, etc.

A psicopedagoga argentina Silvia Iannantuoni (1996) escreve:
... a escola como instituição tende à submissão a determinadas pautas, em vez de promover o fato artístico e a autoria da produção; não surpreende o fato de que não conte com a possibilidade de questionar a si mesma. As
respostas de que “as crianças não leem”, “não gostam de ler”, “escrevem sempre as mesmas orações”, “apresentam muitos erros de ortografia”, etc., sempre encontram linearmente suas causas fora do ambiente escolar. Não servem para questionar-se dentro dele.

Como a escola pode propiciar o surgimento de sujeitos escritores, representantes de suas ideias, gestores de atos criativos? Talvez não apenas enunciando-os formalmente em objetivos e/ou expectativas de sucesso. Talvez possibilitando que os docentes possam mostrar-se como modelos de autoria de pensamento e de palavra, como sujeitos que possam desmontar seus “duendes e suas princesas”, porque, como pretender que o aluno que vai à escola seja um sujeito construtor de suas próprias aprendizagens, se não se outorga ao docente que, como ensinante, se encontre com sua autoria?...

Os professores, muitas vezes, recebem cursos em que são ditas coisas interessantes sobre como ensinar, mas que são, de fato, uma “representação dramática” de como não ensinar. Tal contradição, comum em muitos âmbitos educativos, ocorre porque as professoras e os professores, mais do que cursos, precisam de formação e “a formação é clínica, pois toma lugar na história individual; porque une, necessariamente, saberes e saber, o passado e o futuro do sujeito” (Beillerot, 1996).
Referindo-se à experiência de cursos de capacitação docente, a psicopedagoga argentina Soledad Lugones (1999) escreve:
... Fazemos apontamentos em silêncio, com o olhar centrado no professor e com nosso corpo quieto, aderido à cadeira... uma só voz, um só rosto...
... Esta é uma cena que se repete invariavelmente em nossa história como “alunos”. Essa Matriz encarnada em nosso corpo omite o Saber e a Potência de nosso ser aprendentes.
Para autorizar-nos a Ensinar, devemos fazer-nos autores ... acreditar em nós. Olhar o valor que tem o que fazemos, apropriar-nos da singularidade que possuímos ... Fazer-nos autores de nossos pensamentos.
Hoje em dia, fala-se muito sobre a necessidade de Capacitação Docente. Todavia, muito pouco se fala e se reflete sobre como os Docentes e as Instituições se capacitam e como são seus espaços de formação...

Uma menina brasileira, María, respondendo ao pedido de desenhar “uma pessoa aprendendo”, desenha uma menina levada pela polícia e diz que a menina não está aprendendo porque a estão “prendendo” (o que equivale a “sendo levada pela polícia”). Embora o som das palavras “prendendo” e “aprendendo” seja muito similar, María reconhece a diferença, já que, quando explica de que se trata seu desenho, explicita-o. Não aprender na escola supõe um ato de violência da escola frente à criança. María, a menina em questão, pertence a uma região carente e sua família não pode satisfazer as necessidades básicas. Na escola, a menina é marginalizada em relação ao restante da turma “por vir suja à aula”, segundo a professora. Se, em outro contexto escolar, uma criança produzisse a mesma frase e um desenho similar, poderíamos interpretar a equivalência simbólica aprender e aprisionar (“prender”) como produzida por sua própria dramática inconsciente e, portanto, trabalharíamos para ajudá-la a ressignificar o sentido de aprender, pois tal deslizamento de significação poderia perturbar a aprendizagem. Ao contrário, junto com María, necessitamos reconhecer (lhe) que sua frase e seu desenho mostram uma verdade silenciada. “Desenhou e pensou algo que poucos observam. É assim, María: quando estão perseguindo uma pessoa, ela não pode aprender. Eu creio que deveria dizer isto para a sua professora; o que você acha?” Ante uma intervenção como a anterior, María conseguirá começar a mudar de posição e a reconhecer-se pensante. Um propósito do trabalho psicopedagógico na escola consiste em conseguir que o “fracasso escolar” não seja denúncia que renuncia a  enunciar. É construir espaços para que as professoras e os professores encontrem-se com suas autorias e, assim, sintam a paixão por produzir com seus alunos e com suas alunas.

DIFERENÇAS ENTRE FRACASSO ESCOLAR E PROBLEMA DE APRENDIZAGEM

... Uma análise econômica das superestruturas educativas permite-nos compreender por que o sujeito aliena-se na ignorância, mas necessitamos ver qual a estrutura que possibilita a disfunção da inteligência e como o faz...
(Sara Paín) Em 1990, no livro A inteligência aprisionada, eu já dizia que o “fracasso escolar” responde a duas ordens de causas que se encontram imbricadas na história de um sujeito – próprios da estrutura familiar e individual daquele que fracassa em aprender e próprios do sistema escolar, sendo estes últimos determinantes. Dizia também que é preciso não confundir os fracassos escolares (“desnutrição de conhecimentos”) com os problemas de aprendizagem (“anorexia-bulimia do conhecimento”) para poder intervir antes que sejam produzidos, pois, muitas vezes, um pode derivar do outro. Como diagnóstico, um fracasso escolar pode diferenciar-se de um problema de aprendizagem, analisando a modalidade de aprendizagem do aprendente em sua relação com a modalidade ensinante da escola.
Nas situações de fracasso escolar, a modalidade de aprendizagem do sujeito não se torna patológica; quando se constitui um problema de aprendizagem (inibição cognitiva ou sintoma), a modalidade de aprendizagem altera-se.

... Para prevenir o fracasso escolar, necessitamos trabalhar em e com a escola  (realizar um trabalho para que o professor possa conectar-se com sua própria autoria e, portanto, seu aluno possa aprender com prazer, denunciar a violência encoberta e aberta instalada no sistema educativo). Mas, uma vez gerado o fracasso e conforme o tempo de sua permanência, o psicopedagogo também deverá intervir para que o fracasso do aprendente, encontrando um terreno fértil na criança e em sua família, não se constitua em um sintoma neurótico... (Alicia Fernández, 1990)

Quando se trata de resolver o problema de aprendizagem que provém prioritariamente de causas que se referem à estrutura individual e familiar da criança (problema de aprendizagem-sintoma ou inibição), torna-se necessária uma intervenção psicopedagógica mais pontual. De acordo com cada situação, será possível optar por:
a) tratamento individual e familiar psicopedagógico;
b) grupo de tratamento psicopedagógico de crianças;
c) grupo de orientação paralelo de mães;
d) oficinas de arte, arte-terapia, recreação com objetivos terapêuticos, etc.;
e) entrevistas familiares psicopedagógicas, etc.

Em porcentagem menor de crianças, o fracasso pode responder à construção de um modo de pensamento derivado de uma estrutura psicótica e, em uma proporção ainda menor, pode ser devido a fatores de déficit orgânico. Em ambas as situações, em geral, ainda que por diferentes causas, a criança não pode estabelecer uma comunicação compreensível com a realidade ou seja, poderá ter dificuldades para aprender. Estamos diferenciando as diversas respostas que as crianças assumem para expressar diferentes problemáticas em sua aprendizagem. Na aprendizagem escolar, reflete-se toda a dinâmica social e familiar. Nosso trabalho será saber escutar e olhar para além e para aquém daquilo que se percebe.

Estou diferenciando esquematicamente situações que se mostram como não-aprendizagem, respondendo a diversas causas:
• fracasso escolar;
• problemas de aprendizagem da ordem do sintoma;
• inibição cognitiva;
• oligotimia, baseada em uma estrutura psicótica.

A gravidade da problemática corresponde à crescente ordem do enunciado.

Todavia, a extensão da problemática corresponde de forma decrescente à ordem do enunciado.
O “problema de aprendizagem reativo”, fracasso escolar, afeta o aprender do sujeito em suas manifestações sem chegar a aprisionar a inteligência: muitas vezes, surge do choque entre o aprendente e a instituição educativa que funciona de forma segregadora. Para entendê-lo e abordá-lo, devemos apelar para a situação promotora do bloqueio.

A criança que está nessa situação não precisa, na maioria das vezes, de tratamento psicopedagógico. A intervenção do psicopedagogo é necessária, mas será dirigida, fundamentalmente, à instituição educativa (metodologiaideologia-linguagem-vínculo).

A intervenção terapêutica psicopedagógica torna-se inapropriada para abordar a oligotimia social9 que, muitas vezes, pode funcionar como resseguro do sistema se o psicopedagogo, ao equivocar-se no diagnóstico, torna-se cúmplice ingenuamente da situação. Os transtornos de aprendizagem reativos exigem da psicopedagogia clínica o planejamento de novas e mais eficazes propostas de abordagem, assim como impõem a necessidade de perfilar estratégias preventivas.

Observando apenas a manifestação dos problemas, sem analisar a modalidade de aprendizagem, lamentavelmente, muitos fracassos escolares são diagnosticados de forma equivocada e tratados por diferentes especialistas como problemas de aprendizagem.

Quando se diagnostica a partir do que se observa como resultado, trabalha-se com uma modalidade de pensamento que confunde a consequência com as causas múltiplas.

O efeito de tal confusão resulta em marginalização, expulsão e culpa do aprendente, eximindo o sistema educativo e a instituição ensinante (da qual, como profissionais de saúde, fazemos parte) de serem interpelados e de interpelarem-se por sua participação na produção e/ou na manutenção desse fracasso na aprendizagem.

Além disso, são diagnosticadas, de forma errônea, como “deficiências mentais”, muitas  deficiências” no conhecimento dos diagnosticadores.

Por sua vez, diagnosticam-se de forma errônea, com excessiva leviandade, “dislexias”, “discalculias”, “disgrafias”, “hipercinesias”, “ADDs”: assim, fica excluída, para os professores, a possibilidade de responsabilizarem-se por seu ensinar; para os pais, o perguntarem-se por sua implicação, e, o que é ainda mais grave, as crianças são colocadas como objetos de manipulação.

Muitas dessas crianças e muitos desses adolescentes produzem um problema de aprendizagem como mensagem inconsciente que quer ser escutada. É nessa escuta que deve incluir-se o psicopedagogo.
Ao rotular, faz-se calar toda possibilidade. Os rótulos funcionam como sofisticados métodos de controle. Tanto no fracasso escolar quanto no problema de aprendizagem, o aluno mostra que não aprende, mas, no primeiro caso, a patologia está instalada nas modalidades de ensino da escola, e esse é o lugar sobre qual se deve, prioritariamente, intervir.
Por outro lado, também é preciso considerar situações que não chegam aconformar um fracasso escolar nem um problema de aprendizagem.

Dentro dessa ordem, a psicopedagoga brasileira Grácia María Fenelón,em uma pesquisa realizada em Goiás, relata uma série de alterações constantesna escrita e na leitura de jovens que aprendem, descrevendo-as como “problema de aprendizagem normal”. Na comunidade estudada por Fenelón, a população indígena é importante e encontra-se marginalizada. Um jovem, ao ler “idioma”, lê indioma, sem reconhecer que leu algo diferente. Se o professor assinalasse a mudança como erro, ficaria abortada, uma vez mais, a emergência do saber.

Seria diferente se o professor pudesse dizer ao jovem: “Você disse algo muito interessante, criou –talvez sem dar-se conta – uma palavra que mereceria existir, indioma, para dar conta desse idioma indígena oprimido pelo idioma português oficial”.

Como nos ensina a psicanálise, a predisposição para alterar o texto, ao lê-lo, corresponde, em muitos casos, a “suas esperanças por pensamentos alheios reivindicadores”.

Conclui Grácia María Fenelón (1995): a partir de Freud pode-se compreender que os enganos, antes tidos como dificuldades de aprendizagem (omissões, acréscimos, trocas de letras) e, portanto, associados à deterioração das funções egóicas, da atenção, por exemplo, agora podem incluir-se em uma análise mais ampla do pensamento daquele que lê ou escreve.

Anny Cordié assinala (1996): ... O fracasso escolar é uma patologia recente. Apareceu recentemente com
a instauração da escolaridade obrigatória nos finais do século XIX e adquiriu uma importância considerável entre as preocupações de nossos contemporâneos devido à mudança radical da sociedade. Também, neste caso, não é somente a exigência da sociedade moderna a que engendra os problemas, como se pensa com freqüência, mas um sujeito que expressa seu mal-estar na linguagem de uma época em que o dinheiro e o êxito social são valores predominantes...

Tanto o problema de aprendizagem que constitui um “sintoma” quanto o que forma uma “inibição” instala-se em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, desejo, organismo e corpo, resultando em um aprisionamento da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica inconsciente.

Para entender a significação do problema de aprendizagem, deveremos descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e aproximarmo-nos da história singular do sujeito e da análise dos níveis que operam.

Para buscar a remissão dessa problemática, deveremos apelar a um tratamento psicopedagógico clínico que se oriente para a libertação da inteligência e mobilize a circulação patológica do conhecimento em seu grupo familiar.

INTERVIR OU INTERFERIR?

Intervir (vir entre). Interferir (ferir entre), “ferir”, herir em castelhado antigo e em português.

Mesmo que, às vezes, necessitemos intervir, tenderemos a que nossa intervenção seja da ordem de uma “inter-versão” (incluir outra versão), sem anular as outras possibilidades.
Se o psicopedagogo ou a psicopedagoga vai à escola levando junto o consultório, não poderá atender nem às crianças, nem aos professores, nem a si mesmo.

Muitas vezes, a escola solicita ao psicopedagogo ou ao psicólogo escolar uma tarefa não-possível: que realize um tratamento individual com as crianças que fracassam, ou que as diagnostique e encaminhe a profissionais que as atendam fora da escola. Essa função não é apenas impossível de ser abarcada, mas também incapacitante para o exercício da psicopedagogia, já que a presença de um psicopedagogo nunca poderia “atender”, desse modo, à quantidade de alunos apontados como “problema”. O psicopedagogo, sobrecarregado com uma demanda impossível, sente-se fracassado e a escola, assim, o expulsa. Encontramo-nos, dessa forma, com escolas que acumulam, “expulsam” quantidades de crianças com “fracasso escolar” e com diversos orientadores educacionais também expulsos por “fracasso profissional”. Nem em um caso nem no outro pode-se falar de um fracasso pessoal, seja da criança, seja do profissional.

Precisamos perguntar-nos qual é a posição que o psicopedagogo deve assumir em uma escola. Quem são os que demandam? Como escuta a demanda obturada das crianças na pseudo demanda do professor? Como escuta a demanda escondida do professor na queixa que explicita?

Se o psicopedagogo ou a psicopedagogia aceitam o lugar de poder resolver tudo “o que solicitam”, estarão aceitando incapacitar seu lugar. Aceitar que podem o que não podem resultará em desconhecer o que, de fato, podem: desmoralizar-se e abandonar.

O psicopedagogo ou a psicopedagoga, na escola, precisam utilizar os conhecimentos e a atitude clínica para situarem-se em outro lugar, diferente ao que têm no consultório. A experiência de consultório pode servir-lhes muitíssimo para situarem-se diante de professores, alunos e de si mesmos como alguém que propicia espaços de autoria de pensamento.

A psicopedagoga ou o psicopedagogo é alguém que convoca todos a refletirem sobre sua atividade, a reconhecerem-se como autores, a desfrutarem o que têm para dar. Alguém que ajuda o sujeito a descobrir que ele pensa, embora permaneça muito sepultado, no fundo de cada aluno e de cada professor. Alguém que permite ao professor ou à professora recordar-se de quando era menino
ou menina. Alguém que permita a cada habitante da escola sentir a alegria de aprender para além das exigências de currículos e notas.

Alícia Fernandez - Os idiomas do Aprendente

INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA ESCOLA

Pensar e atender a Diversidade e a Diferença como critérios de Promoção de Saúde em Instituições Educativas é um desafio. (Beatriz Rama Montaldo)

A psicopedagogia dirige-se para a relação entre a modalidade ensinante da escola e a modalidade de aprendizagem de cada aluno, e a este como aprendente e ensinante em seu grupo de pares.

Esse sujeito autor constitui-se quando o sujeito ensinante e aprendente, em cada pessoa, pode entrar em um diálogo. “Quando é que o sujeito ensinante entra em um diálogo?” Quando se autoriza (se lhe for permitido) mostrar/mostrar-se naquilo que aprende. Interagir com o outro, mostrar-lhe o que sabe. Às vezes, pode-se conhecer o que se sabe somente a partir de mostrar ao outro.

A psicóloga uruguaia e terapeuta de aprendizagem, Beatriz Rama Montaldo (2000), diz:
... Pensamos que nosso acionar institucional teria como premissa básica CRIAR as estratégias de intervenção em relação ao ensinante-aprendente – na trama vincular intra-subjetiva, intersubjetiva e transubjetiva – facilitadoras do processo de crescimento e de um desenvolvimento harmônico. Acionar
no singular, no plural, no grupal...
... devemos pensar em criar as condições para que “esse ambiente facilitador” (D. Winnicott) transforme-se em gerador de potência para a saúde. Como é possível pensar em criar as condições para que a patologia
não se instale ou, uma vez instalada, possibilitar que o saudável possa “ser mostrado” e “fazê-lo andar”?
Nós respondemos: Será um desafio concordar com as novas estratégias que estimulem, desenvolvam, possibilitem as condições para que se instale a saúde...

A intervenção psicopedagógica nas escolas deve dirigir seu olhar simultaneamente para seis instâncias:
– ao sujeito aprendente que sustenta cada aluno;
– ao sujeito ensinante que habita e nutre cada aluno;
– à relação particular do professor com seu grupo e com seus alunos;
– à modalidade de aprendizagem do professor e, em conseqüência, à sua modalidade de ensino;
– ao grupo de pares real e imaginário a que pertence o professor;
– ao sistema educativo como um todo.

E, nessas seis instâncias, deve dirigir um olhar para a circulação singular de conhecimento que se estabeleceu entre os diversos personagens e o conhecimento.


INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA COM PROFESSORES EM UMA ESCOLA

Cena 1
A professora María disse à psicopedagoga Teresa que seu aluno João tem um problema.
Professora María: “Tenho um menino que você precisa ver, porque algum problema ele tem”(María mostra-se angustiada).
A psicopedagoga Teresa...
Deixaremos a cena inconclusa para pensar na posição da psicopedagoga.

Qual será um posicionamento adequado para Teresa situar-se a fim de criar uma escuta psicopedagógica e, em conseqüência, uma intervenção eficaz?

Tentarei pensar com vocês não tanto o que a psicopedagoga deve dizer, mas em que posição colocar-se para poder pensar. A partir daí, poderá construir uma intervenção adequada, livre e autora.

Proponho que realizemos uma leitura psicodramática da situação.
A primeira cena tem, pelo menos, três personagens:
a) a professora;
b) a psicopedagoga;
c) o aluno.

Quando a professora disse “Tenho um aluno com problemas”, Teresa instalar-se-ia em uma posição que não permitiria uma leitura psicopedagógica se começasse a perguntar sobre João desde o primeiro momento. Ou seja, se ela fosse omissa a María, com sua angústia, suas possibilidades e suas dificuldades,
com sua responsabilidade de ensinar.

Às vezes, os psicopedagogos, ou os psicólogos nas escolas, aprisionados também pela exigência de eficiência, tentando “ajudar” o aluno em questão, esquecem o professor e, então, respondem “Como se chama seu aluno? Vou vê-lo e estudá-lo”.
Em lugar de perguntar-se “João tem um problema que devo descobrir”,

Teresa precisa responder a si mesma “Eu, Teresa, tenho um problema: como fazer para que María, professora, reconheça que tem um problema em relação a João”.

A intervenção da psicopedagoga deverá partir de seu próprio espaço de autoria de pensamento e estará direcionada a abrir um espaço de autoria na professora. Para tanto, será preciso escutá-la, fazendo com que María escute a si mesma, reconheça-se importante, descubra o quanto pode ajudar João se o olhar de uma maneira diferente.

Muitas vezes, os psicopedagogos queixam-se dos professores e fazem com eles o mesmo que pensam que os professores não devem fazer com os alunos.

Dizem aos professores que não devem queixar-se dos alunos, mas queixam-se dos professores.

quarta-feira, outubro 10, 2012

BULLYING


1) O que é bullying?
O termo deriva das seguintes palavras de língua inglesa: bull = touro, de onde deriva bully = valentão. Na sua origem, portanto, bullying traz a ideia de alguém mais forte (valentão) que oprime um mais fraco. Alguns autores utilizam a palavra "intimidação" para referir-se ao bullying em português. De maneira mais precisa, podemos definir bullying da seguinte forma:

O bullying ou intimidação é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos (+ fortes) contra outro(s) (+ fracos), causando dor, angústia e sofrimento. É um problema mundial, sendo encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição, pública ou privada, rural ou urbana.

Os primeiros estudos sobre Bullying foram realizadas por Dan Olweus, da Universidad de Bergen - Noruega (1978 a1993).

Com relação ao bulllying, os alunos podem ser:
. Alvos de bullying - são aqueles que só sofrem;
. Alvos/autores de bullying - são aqueles que ora sofrem, ora praticam Bullying;
. Autores de bullying - são os alunos que só praticam Bullying;
. Testemunhas de bullying - são alunos que não sofrem nem praticam o bullying, mas convivem em um ambiente onde isso ocorre.

2) O bullying existe só na escola?
O termo bullying é utilizado especificamente para o contexto escolar. No entanto, a lógica fundamental do fenômeno (mais forte oprimindo mais fraco) pode ocorrer em qualquer organização com caráter coletivo. O assédio moral nas empresas é um exemplo: alguém numa posição de poder (+ forte, neste sentido) procurar humilhar ou intimidar alguém numa posição subalterna.

3) O que não é bullying?
A definição de bullying é bem restrita e devemos tomar cuidado para não banalizar o seu uso. Conforme a definição, o bullyng envolve os seguintes elementos:
1) Ocorre na escola;
2) Há um + forte oprimindo um + fraco;
3) Utiliza-se violência física e/ou psicológica;
4) É intencional;
5) É repetitivo e contínuo;
6) Causa dor e sofrimento na vítima;
7) Não há uma razão aparente para acontecer.

Desta forma, não se trata de bullying:
. Conflitos e brigas (há um motivo, não é repetitivo);
. "Provocador" sofrendo retaliação (há um motivo);
. Rituais de iniciação (dá-se apenas pelo período de integração a um grupo novo).

4) O bullying está aumentando?
Ainda não há registro de pesquisas comparativas sobre bullying. Encontramos os seguintes números (CARVALHOSA, 2001):

Pesquisas internacionais:
. 15% dos estudantes dizem ter sofrido bullying;
. Maior prevalência em meninos (4x);
. Alunos mais novos e de menor escolaridade são vítimas mais freqüentes.

Pesquisas nacionais:
. Alvos de Bullying 16,9%;
. Alvos/Autores de Bullying 10,9%;
. Autores de Bullying 12,7%;
. Testemunhas de Bullying 57,5%.

Locais de onde ocorre o Bullying:
. Sala de aula 60,2%;
. Recreio 16,1%;
. Portão 15,9%;
. Corredores 7,8%.

Agressões mais comuns:

Geral
Masculino
Feminino
Apelidar
54,2%
50,4%
64,0%
Agredir
16,1%
27,2%
7,9%
Difamar
11,8%
6,4%
12,3%
Ameaçar
8,5%
8,9%
7,8%
Pegar/Quebrar pertences
4,7%
2,2%
4,2%
Excluir
2,5%
1,8%
2,0%
Outros
2,0%
2,3%
1,5%
Não Opinou
0,2%
0,8%
0,3%
Total
100%
100%
100%

5) Dinâmica psicológica do bullying: a vítima.
Normalmente, a vítima de bullying é um adolescente que têm uma auto-estima frágil, o que o coloca numa situação vulnerável. Algumas pessoas com esse perfil tendem a se isolar ou cultivam um grupo de amigos bem restrito. Mais isolado, o adolescente fica menos protegido e mais exposto a possíveis "valentões". Se um aluno mais forte e intimidador encontrar um indivíduo vulnerável, pode começar a agredi-lo por saber que não terá coragem de reagir nem contar para ninguém. A vítima de bullying começa a viver com medo de novas retaliações e começa cultivar um ódio grande contra os agressores. Sente vontade de reagir e se vingar, mas ao mesmo tempo sente medo. Guardando apenas para si o ódio, o medo, a ansiedade, pode ter problemas somáticos e/ou escolares, o que agrava ainda mais sua auto-estima, acabando por fechar um ciclo vicioso de sofrimento.

Na maioria dos casos, o bullying é interrompido de uma forma ou outra. A vítima pode mudar de escola, o agressor pode mudar de escola ou a vítima pode conseguir contar o caso para um amigo ou professor de confiança. Porém, em alguns casos, o ciclo pode continuar por meses ou até anos a fio, e a vítima acaba ficando com a auto-estima tão prejudicada e guardando um ódio e sede de vingança tão grandes que pode chegar a cometer algum ato de violência mais grave, como alguns casos de adolescentes que assassinaram colegas e/ou professores e deram cabo da própria vida.

É importante ressaltar que a vítima costuma apresentar um perfil "vulnerável" para certos agressores, o que não é a mesma coisa que dizer que a vítima é culpada pelo que lhe acontece. A sua vulnerabilidade está especialmente ligada à sua fragilidade e dificuldade de reagir. Mas a vítima não provoca, agride ou ofende o agressor. É o que muitos chamam de violência gratuita... porém isso também não significa que não há uma razão que explique esta violência... esta razão existe e só conseguimos entendê-la do ponto de vista do agressor.

6) Dinâmica psicológica do bullying: o agressor.
Se a vítima tem uma auto-estima baixa, o agressor deve ter uma auto-estima inflada demais, certo? Errado! Na verdade, o agressor também apresenta na sua estrutura de personalidade uma auto-estima baixa! No entanto, em vez de se isolar (em função da personalidade) o agressor tende a querer compensar essa auto-estima ruim realizando comportamentos de auto-afirmação, ou seja, comportamentos com o propósito de provar para os outros o quanto ele é uma pessoa de valor (e isso só acontece em função de sua insegurança com relação a si mesmo). Para poder se auto-afirmar, o agressor anda em grupo, pois precisa de uma platéia para ver e aplaudir seus feitos. Ele procura criar uma identidade de valentão, durão... Para criar esta identidade ele precisa exercer o poder e a intimidação sobre alguém e esse alguém precisa ser mais fraco para garantir suas vitórias. Quando agride a vítima e obtém vitórias sua popularidade aumenta perante seu grupo gerando nele uma falsa imagem de "bonzão", ou seja, de que é melhor (mais poderoso ou corajoso) do que realmente é. Essa falsa imagem tende a encobrir sua débil auto-estima, alimentando uma crescente (e ilusória) sensação de poder. Esse ciclo vicioso pode ser (e normalmente é) interrompido a qualquer momento, porém, se continuar, os riscos para a vítima podem ser muito grandes uma vez que o agressor pode aumentar e piorar seus métodos para causar mais dor e sofrimento.
O agressor, portanto, não pode ser visto apenas como um "menino malvado" que precisa ser punido, mas também como alguém que precisa de algum tratamento e de limites muito firmes. É óbvio que a vítima sofre muito mais e precisa de muito mais cuidado que o agressor, porém é importante ressaltar que a princípio o bullying não é caso de polícia, mas de educação.

7) Como lidar com o bullying?

7.1. Observar sinais:
O quadro a seguir contém um esquema básico para prevenir e lidar com o bullying na escola. Importante que a escola invista sempre em prevenção e que os profissionais sejam orientados a observar sinais de bullying, já que as vítimas não costumam falar. São comportamentos freqüentes em vítimas de Bullying:
. Revelar medo de ir ou voltar à escola;
. Voltar da escola, repetidamente, com roupas ou livros rasgados;
. Chegar em casa muitas vezes com machucados inexplicáveis;
. "Perder", repetidas vezes, seus, pertences, seu dinheiro;
. Evitar falar sobre o que está acontecendo, ou dar desculpas pouco convincentes para tudo.

7.2. Prevenir:
. Discussões abertas sobre o assunto;
. Reflexões baseadas em filmes e teatros sobre o tema;
. Caixas de sugestão que permitam denúncias anônimas.

7.3. Apoio à vítima:
. Sigilo;
. Grupos de apoio;
. Reforço da auto-estima.

7.4. Apoio ao agressor:
. Sigilo;
. Limites firmes e claros;
. Alternativas de expressão.
. Quebra da popularidade.

8) Filmes recomendados sobre o assunto:
Adultos / Adolescentes:
. Bang Bang, você morreu;
. Garotas malvadas;
. Nunca fui beijada;
. Carrie, a estranha;
. Raízes do mal;
. Um grande garoto;
. Tiros em Columbine;
. Forest Gump;
. O senhor das moscas.

Crianças:
. Ponte para Terabítia;
. Grinch;
. Happy Feet, o pingüim;
. A casa monstro;
. Lucas, um intruso no formigueiro.

9) Anexos.

a) Depoimento de revista:

Depoimento






















b) Trecho do filme Um Grande Garoto:

- Oi Nick, Oi Mark, vão ao clube de computadores mais tarde?
- Marcus nós não queremos mais que ande conosco.
- Por quê?
- Por causa deles.
- Eles não têm nada a ver comigo.
- Têm , sim.
- Não tínhamos problemas antes de andarmos com você. Agora temos todo dia.
- Além do mais, todos acham você esquisito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHOSA, S. F; LIMA, L; MATOS, M. G. Bullying - A provocação/vitimação entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, 4 (XIX): 523-537, 2001.

NETO, A. L.; SAAVEDRA, L. H. Diga não ao bullying. Rio de Janeiro: ABRAPIA, 2003.